sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Do que eu tenho medo. Saci Pererê. Lendas do Folclore brasileiro.

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Bem, o jeito mesmo é começar fazendo uma confissão: a de que sou um pouquinho covarde, tenho meus medos. E você vai rir de mim quando souber de que é que receio tanto. E... bem, é... (Vou tomar uma bruta coragem e dizer de uma vez.)
Tenho tanto medo é do... Saci-Pererê! Mas que alívio em já ter confessado. E que vergonha. Só não juro que o Saci existe porque não se deve ficar jurando à-toa, por aí. Você é provavelmente de cidade e não me acredita. Mas que nas matas tem saci, lá isso tem.
E eu garanto essa verdade que até parece mentira, garanto, porque já vi esse meio-gente e meio-bicho.
E para que você acredite em mim, vou descrevê-lo: ele é um diabinho de uma perna só
(apesar de miraculosamente cruzar a perna). Dou a você como garantia minha palavra de honra. E ele anda sempre com um cachimbozinho.
Devo dizer que ele não é pessoa de fazer grandes maldades. É, mas faz as pequenas e marotas. As vezes quando lhe negam fumo — é melhor ter sempre tabaco numa caixinha porque prevenir é melhor que remediar — como eu ia dizendo, quando lhe negam fumo, ele faz das suas. Pois se até leite fervido ele azeda!
Mosca na sopa? Pois foi ele o pequeno malfeitor.
Brincadeira tem hora, às vezes a gente fica com raiva.
Sem falar que o Saci assusta as galinhas, coitadas, que já são por natureza assustadas. É, mas não é que ele faz com que fiquem completamente espavoridas?
Dona-de-casa? Cuidado porque ele queima o feijão na panela. E o danadinho faz essas coisas ou para se vingar ou para divertir e gostar de atrapalhadas.
Dou minha palavra de que já dei muito fumo ao Saci. Se você não acredita, vou então descrevê-lo: usa na cabecinha sabida uma carapuça vermelhíssima e escandalosíssima, tem a pele mais negra do que carvão em noite escura, uma perna só que sai pulando, e, é claro, um cachimbozinho aceso porque ele tem, como eu, o vício do fumo.
Mas uma vez eu me vinguei. Quando ele me pediu fumo, dei. Mas misturei ao tabaco... um pouco de pólvora (não demais porque eu não queria matá-lo). E quando ele tirou a primeira tragada, foi aquele estrondo. Porque eu também sou um pouquinho Saci-Pererê: foi com ele mesmo que aprendi as manhas.
Aviso ao Saci: por favor não se vingue de mim botando pólvora no meu fumo porque eu me vingarei pondo fogo na mataria toda!
Acho que tenho dito.


Clarice Lispector. 

2 comentários:

Maria Teresa Valente disse...

Olá, Jeanne!
Que escolha linda, Clarice Lispector sabia escrever como ninguém.
Obrigada pelo texto, abraços carinhosos
Maria Teresa

Lua Singular disse...

Oi Jeanne

Adoro lendas: trabalhei com crianças ais 33 anos.
Obrigada pelo carinho
Beijos
Lua Singular