Numa era
muito antiga — tão antiga que antes dela só havia o caos — o mundo era governado
pelo Céu, filho da Terra. Um dia, este, unindo-se à própria mãe, gerou uma raça
de seres prodigiosos, chamados Titãs. Ocorre que o Céu — deus poderoso e nem um
pouco clemente — irritou-se, certa feita, com as afrontas que imaginava receber
de seus filhos. Por isto, decidiu encerrá-los nas profundezas do ventre da
própria esposa, à medida que eles iam nascendo.
— Aí ficarão
para sempre, no ventre da Terra, para que nunca mais ousem desafiar a minha
autoridade! — exclamou, colericamente, o deus soberano.
A Terra,
subjugada, teve de segurar em suas entranhas, durante muitas eras, aquelas turbulentas
criaturas e suportar, ao mesmo tempo, o assédio insaciável e ininterrupto do
marido.
Um dia,
porém, farta de tanta tirania, decidiu a mãe do mundo que um de seus filhos
deveria libertá-la deste tormento. Para tanto escolheu Saturno, o mais jovem de
seus rebentos.
— Saturno,
meu filho — disse a Terra, lavada em pranto -, somente você poderá libertar-me da
tirania de seu pai e conquistar para si o mando supremo do Universo!
O jovem e
ambicioso Titã sentiu um frêmito percorrer suas entranhas.
— Diga minha
mãe, o que devo fazer para livrá-la de tamanha dor! — disse Saturno, disposto a
tudo para chegar logo à segunda parte do plano.
A Terra,
erguendo uma enorme foice de diamante, entregou-a ao filho.
"Tome e
use-a da melhor maneira que puder!", disseram seus olhos, onde errava um misto
de vergonha e esperança.
Saturno
apanhou a foice e não hesitou um instante: dirigiu-se logo para o local onde
seu velho pai descansava. Ao chegar ao azulado palácio erguido nos céus,
encontrou-o ressonando sobre um grande leito acolchoado de nuvens.
— Dorme, o
tirano... — sussurrou baixinho.
Saturno,
depois de examinar por algum tempo o rosto do impiedoso deus, empunhou a foice
e pensou consigo mesmo: "Realmente... demasiado soturno."
E fez descer
o terrível gume, logo abaixo da cintura do pobre Céu.
Um grito
terrível, como jamais se ouvira em todo o Universo, ecoou na abóbada celestial,
despertando toda a criação.
— Quem ousou
levantar mão ímpia contra o soberano do mundo? — gritou o Céu, com as mãos
postas sobre a ensanguentada virilha.
— Isto é
pelos tormentos que infligiu à minha mãe, bem como a mim e a meus irmãos — respondeu
Saturno, ainda a brandir a foice manchada de sangue.
Os
testículos do Céu, arrancados pelo golpe certeiro da foice, voaram longe e
foram cair no oceano, com um baque tremendo. Em seguida, o deus ferido caiu
exangue, sobre seu leito acolchoado, sem poder dizer mais nada. As nuvens que
lhe serviam de leito tingiram-se de um vermelho tal que durante o dia inteiro
houve como que um infinito e escarlate crepúsculo.
Saturno,
eufórico, foi logo contar a proeza à sua mãe.
— Isto é que
é filho — disse a Terra, abraçada ao jovem parricida. Imediatamente foram soltos
todos os outros Titãs, irmãos de Saturno. Este, por sua vez, recebeu a sua
recompensa: era agora o senhor inconteste de todo o Universo.
Quando a
noite caiu, entretanto, escutou-se uma voz espectral descer da grande cúpula côncava
dos céus:
— Ai de
você, rebento infame, que manchou a mão no sangue do seu próprio pai! Do mesmo
modo que usurpou o mando supremo, irá também um dia perdê-lo...
Saturno
assustou-se a princípio, mas em seguida ordenou a seus pares que recomeçassem os
festejos.
— Ora,
ameaçazinhas... Deus morto, deus posto! — exclamou, com um riso talhado no rosto.
Mas aquela
profecia, irritante como um mosquito, ficara ecoando na sua mente, até que Saturno,
por fim, reconheceu-se também meio soturno:
— Será que
uma vitória, neste mundo, não pode ser nunca completa?
AS 100 MELHORES HISTÓRIAS DA MITOLOGIA - Deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana A. S. Franchini / Carmen Seganfredo
AS 100 MELHORES HISTÓRIAS DA MITOLOGIA - Deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana A. S. Franchini / Carmen Seganfredo
Moral da história: violência não se combate com
violência.
Significado de Soturno:
adj.
Tristonho; que demonstra melancolia ou tristeza.
Assustador;
que provoca medo ou pavor.
Sombrio; que
está imerso em trevas.
s.m.
Escuridão; que não é claro; sem claridade.
(Etm. Forma
Alt. de Saturno; do latim: saturnus.i)
Dinâmica:
sortear bilhetinhos com situações
familiares de conflito. Cada criança pega um e é convidada a resolver o
problema sem violência mas utilizando o diálogo.
Após ilustrar
a situação com um desenho livre.
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