Tarcisio
Lage
Na imensa planície
africana existia um leão com dentes enormes e afiados.
Chamava-se Praxedes.
Era só o Praxedes abrir sua boca, balançar a densa juba e fazer explodir seu
urro, ouvido a 50 quilômetros de distância, para que toda a floresta tremesse
de medo. Os macacos trepavam até os galhos mais altos, as hienas paravam de
sorrir e corriam mais do que os veados, os outros leões abaixavam a cabeça e
enfiavam o rabo entre as pernas.
Com o
Praxedes era na base:
Obediência
ou Morte!
- Sim, Dom
Praxedes.
- Tá certo,
é o senhor quem manda.
- Se Dom
Praxedes não quer, eu não faço.
Era uma
vergonha ver os outros leões que nem cachorro vira-lata, fazendo tudo que Praxedes
queria, sem reclamar, sem uma pontinha de revolta.
Acontece
que, num certo dia, o professor Percy, que vivia fazendo umas experiências malucas,
deixou cair debaixo da árvore que dava sombra para Praxedes dormir um tubo cheio
de Estreptococos Mutans. O Estreptococo Mutans é um bichinho horroroso.
Multiplica-se mais do que coelho nos restos de comida entre os dentes.
Inhaca, que
nojo!
Quando são
milhões e milhões, bem alimentados com aquelas porcarias de quem não escova os
dentes, o Estreptococo Mutans começa a roer devagar, devagar, sem parar, até
não sobrar dente nenhum.
Praxedes, que além de autoritário era curioso,
cheirou o tubo e, não contente, deu uma lambidinha para sentir o gosto da pasta
amarela apinhada de estreptococos. Os horrorosos bichinhos não perderam tempo.
Raque,
raque, raque... foram logo roendo os enormes dentes de Praxedes. Caíram todos!
A imensa boca de Praxedes, o terror da bicharada, murchou como um balão furado.
Quando os
outros leões viram aquela boca desdentada, murcha, parecendo uma maçã ressecada,
resolveram desforrar os anos que passaram fazendo tudo que Praxedes mandava sem
um fiapo de reclamação. Foi-se o respeito imposto pelos dentes.
Consideração?
Nem mais dos fracotes.
Jururu,
andando a esmo pela planície, a juba caída, Praxedes não tinha como escapar da
gritaria da bicharada:
- Praxedes,
leão sem dente. Praxedes, leão sem dente.
Nem mais os
macacos tinham medo do leão desdentado. Os chimpanzés, que são os palhaços da
floresta, desciam das árvores e faziam uma volta em torno do pobre banguela. Um
puxava seu rabo, outro dava um cocorote na testa do antes tão temido leão.
Havia um chimpanzé muito sem vergonha que enfiava o dedo naquele lugar do
Praxedes e gritava.
- O Praxedes
não é mais aquele! O Praxedes não é mais aquele!
O pobre
coitado ficou numa magreza de fazer dó. Não morreu porque comia o que sobrava
da caça dos outros leões, chupando os ossos. Que tristeza!
Foi expulso
do grupo dos leões mandões. O novo chefe, o que tinha agora os dentes mais
afiados, falou:
- Praxedes,
você é uma vergonha. Não queremos nenhum desdentado em nosso grupo. Vá embora
daqui. Vá pro meio das hienas e dos abutres comer carniça.
Desprezado,
desrespeitado, desmoralizado, Praxedes abandonou a planície que tanto amava e
foi viver no fundo da floresta, bem no escuro, onde ninguém pudesse vê-lo.
Dona Coruja,
em suas andanças pelas copas das árvores, viu um dia Praxedes todo triste e
perguntou:
- Dom
Praxedes, o que lhe aconteceu?
O ex-mandão
da planície escancarou a boca muxibenta e disse quase chorando:
- Não sei
dona Coruja, Olha aqui, caíram todos os meus dentes.
Dona Coruja,
que vivia voando pelas redondezas, contou ao Praxedes que na ilha do Rio dos
Crocodilos existia um hipopótamo dentista muito bom na feitura de dentaduras. O
único problema é que era um preguiçoso de marca maior e só saía de sua ilha
para se refrescar no fundo do rio.
Para ter a
dentadura, Praxedes tinha de nadar até o consultório do Dr. Hipopótamo.
Nenhum
problema? E os crocodilos?
Quando
Praxedes chegou ao barranco pronto para saltar e nadar até a ilha, um bando de
crocodilos já esperava por ele, lambendo os beiços:
- Ora viva,
aí vem Dom Praxedes para o nosso almoço.
Praxedes
chamou de volta sua antiga coragem e propôs:
- Olha aqui,
seus crocos, faço uma aposta.
Se vocês
deixarem que eu nade até a ilha, garanto que na volta vocês não conseguem me
pegar.
- Ah é, seu
leão desdentado. Pode nadar, nós o esperamos para o jantar, - disse o maior dos
crocodilos, esquecido de que o Hipopótamo era dentista.
Praxedes
nadou, nadou. Era um rio muito largo. E precisou ficar um tempão na sala de espera,
coisa a que não era acostumado.
O Dr.
Hipopótamo estava no fundo do rio, refrescando-se e comendo umas gramas que
cresciam debaixo d'água. Só à tardinha voltou ao consultório.
- Ué, Dom
Praxedes, por estas bandas?
Em que posso
servi-lo?
Praxedes não
precisou dizer uma palavra.
Só abriu a
boca e o Dr. Hipopótamo compreendeu que ele queria uma dentadura.
- Fique com
a boca bem aberta e não tenha medo - disse o dentista.
O Dr. Hipopótamo
abriu a gaveta de dentes de leões e escolheu para Praxedes uma dentadura de aço
inoxidável com as presas afiadas como navalha.
Praxedes
ficou contentíssimo. Só faltou dar um beijo na testa do Dr. Hipopótamo. Disse que
faria tudo que ele quisesse, era só pedir. E pulou no rio, nadando de volta
para sua planície. Nem se lembrava mais dos crocodilos.
- Lá vem a
nossa janta, atacar! - gritou o chefe do bando dos crocos.
Foi uma luta
tremenda. O croco-chefe avançou para abocanhar o pescoço de Praxedes, mas foi
ele quem levou uma dentada no papo. E outra dentada. E mais outra. O rio
coalhado de sangue. Sangue de crocodilo. Não de leão.
Praxedes
saiu na outra margem, sacudiu a juba e foi andando todo garboso, de cabeça erguida,
planície afora. O chimpanzé sem vergonha viu de longe o ex-banguela, desceu de
sua árvore de observação, chegou por trás como sempre fazia, levantou o rabo do
Praxedes e já ia enfiar o dedo, quando viu aqueles dentes enormes e afiados. O
chimpanzé sem vergonha deu um pulo e por pouco escapou dos dentes navalha.
Subiu para o galho mais alto da primeira árvore que encontrou, tão rápido como
se estivesse descendo. Ainda teve fôlego para gritar lá de cima:
- Cuidado
gente, o Praxedes já tem dente!
Foi um
corre-corre danado, a bicharada toda em polvorosa ao escutar novamente o urro
ouvido a 50 quilômetros de distância.
Dona Zebra
correu para o seu refúgio, a Hiena parou de sorrir à toa, os veados dispararam
planície afora. Até seu Avestruz levantou a cabeça e deu no pé.
Os outros
leões, quando viram as presas afiadas de Praxedes, navalhas reluzindo ao sol,
abaixaram a cabeça para mostrar respeito à lei do dente. O leão-chefe substituto,
com o rabo entre as pernas, falou:
- Dom
Praxedes, que bom que o senhor voltou. Viva o nosso grande chefe.
A resposta
de Praxedes foi outro urro, mais violento do que o primeiro, fazendo tremer as
árvores da floresta vizinha. Por fim, sentindo que não era só com urro que se impunha
respeito, falou:
- Chefe
coisa nenhuma. Não, não vou ser chefe de ninguém. Não vai ter chefe nesta planície.
Vamos caçar juntos, sem precisar que ninguém mande em ninguém. E tem mais: quem
perder os dentes ou tiver qualquer aleijão não será expulso. Será é ajudado e
apoiado.
- Está
certo, Dom Praxedes. Assim será, - concordaram os outros leões.
Nem todos.
Alguns leõezinhos, que assistiam à conversa, até gostaram da ideia de não ter
mais chefe. Entretanto, pensavam lá com seus botões, Praxedes estava era sendo
chefe de novo, urrando e gritando com os outros, dizendo o que eles tinham de
fazer.
É muito
difícil eliminar a lei do dente.
Perguntas:
Por que o
leão Praxedes era temido?
O que
aconteceu com os dentes de Praxedes? Por
quê?
Depois que
perdeu os dentes Praxedes continuou a impor respeito?
O que você
acha mais importante, impor respeito pelo medo ou respeitar a opinião dos
outros por ser correta?
Praxedes
aprendeu a lição depois de ter ficado sem dentes? Qual a atitude que ele tomou
que justificou sua resposta?
É muito
difícil eliminar a lei do dente.
Podemos entender a lei do dente pela imposição
de algumas pessoas sobre as outras através da força ou mesmo do grito.
Pedir
exemplos de colegas ou amigos que querem que suas ideias sejam sempre cumpridas
sem que os outros possam argumentar.
Perguntar se
algum deles já agiu assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário