Fonte da imagem:https://pixabay.com/pt/maria-santa-virgem-nossa-senhora-1004109/
Na orla de
uma extensa floresta morava um lenhador e sua esposa. Eles tinham apenas uma
filha, que era uma menina de três anos. Mas eles eram tão pobres que não tinham
mais o pão de cada dia e já não sabiam o que haveriam de dar-lhe para comer.
Certa manhã o lenhador foi com grande preocupação até a floresta para cuidar de
seu trabalho e, quando estava cortando lenha, lá apareceu de repente uma mulher
alta e bela que trazia na cabeça uma coroa de estrelas cintilantes e lhe disse
“Sou a Virgem Maria, mãe do Menino Jesus, e tu és pobre e necessitado: traga-me
tua filha, vou levá-la comigo, ser sua mãe e cuidar dela.” O lenhador obedeceu,
foi buscar a filha e entregou-a à Virgem Maria, que a levou consigo para o Céu.
Lá a menina passava muito bem, comia pão doce e bebia leite açucarado, e seus
vestidos eram de ouro, e os anjinhos brincavam com ela. Quando completou quatorze
anos, a Virgem Maria a chamou e disse “Querida menina, partirei em uma longa
viagem; tome sob tua guarda as chaves das treze portas do reino celestial; tu
poderás abrir doze delas e contemplar os esplendores que há lá dentro, mas a
décima terceira, cuja chave é esta pequena aqui, está proibida para ti: cuidado
para não abri-la, pois seria a tua infelicidade.” A menina prometeu ser obediente
e, quando a Virgem Maria havia partido, começou a olhar os cômodos do reino
celestial: a cada dia abria um deles, até que todos os doze tinham sido vistos.
Em cada um dos cômodos estava sentado um apóstolo cercado de grande esplendor,
e toda aquela suntuosidade e magnificência dava grande alegria a ela, e os
anjinhos, que sempre a acompanhavam, alegravam-se também. Até que, então,
faltava apenas a porta proibida, e ela sentiu um grande desejo de saber o que
estava escondido atrás dela. Por isso disse aos anjinhos “Não abrirei a porta
por inteiro e também não entrarei, mas vou entreabri-la para olharmos um
pouquinho pela fresta”.
“Oh, não,”
disseram os anjinhos, “seria um pecado: a Virgem Maria proibiu fazer isso, além
do mais, isso poderia facilmente trazer-te a desgraça.” Então ela se calou, mas
o desejo não silenciou em seu coração, mas, ao contrário, continuou roendo e
corroendo-a com força, não lhe permitindo ficar em paz. E certa vez, quando os
anjinhos haviam todos saído, pensou “Agora estou totalmente sozinha e poderia
olhar lá dentro, afinal, ninguém ficará sabendo o que fiz”. Procurou a chave e,
tão logo a apanhou, enfiou-a na fechadura e, uma vez ela estando lá, sem pensar
duas vezes, girou-a. A porta abriu de um salto e ela viu a Trindade sentada em
meio ao fogo e à luz. Ficou parada um momento, observando tudo com assombro,
depois tocou de leve com o dedo aquela luz, e o dedo ficou totalmente dourado.
No mesmo instante foi tomada de intenso pavor, bateu a porta com força e correu
dali. Mas o pavor não diminuía, ela podia fazer o que fosse, mas o coração continuava
batendo acelerado e não havia como acalmá-lo: assim também o ouro continuou no
dedo e não saía de jeito algum, não importa o quanto lavasse e esfregasse.
Não passou
muito tempo e a Virgem Maria retornou de sua viagem. Ela chamou a menina e
solicitou as chaves de volta. Quando ela apresentou o molho, a Virgem olhou em
seus olhos e perguntou: “E não abriste mesmo a décima terceira porta?” “Não”,
respondeu. Então ela pousou a mão sobre o coração da menina e sentiu como ele
estava batendo sobressaltado, de modo que percebeu que sua ordem tinha sido
desobedecida e a porta fora aberta.
Então
perguntou mais uma vez: “Realmente não a abriste?” “Não”, respondeu a menina
pela segunda vez. Aí a Virgem avistou o dedo que ficara dourado pelo toque do
fogo celestial e teve certeza de que ela pecara, e perguntou pela terceira vez:
“Não a abriste?” “Não”, respondeu a menina pela terceira vez.
Então a
Virgem Maria disse: “Tu não me obedeceste e, além disso, ainda mentiste,
portanto não és mais digna de permanecer no Céu.”
Nesse
momento a menina caiu em profundo sono e quando despertou jazia lá embaixo
sobre a terra em meio a um lugar agreste. Quis gritar, mas não conseguiu emitir
qualquer som. Levantou-se de um salto e quis fugir, mas para onde quer que se
dirigisse sempre era detida por sebes espinhosas que não conseguia atravessar.
Nesse ermo em que estava encerrada havia uma velha árvore oca que agora teria
de ser sua morada. Era lá para dentro que rastejava quando caía a noite, e era
lá que dormia, e, quando vinham chuvas e tempestades, era lá que buscava
abrigo. Levava uma vida lastimável, e quando recordava como tudo havia sido tão
bom no Céu, e como os anjinhos costumavam brincar com ela, chorava amargamente.
Raízes e frutas silvestres eram seus únicos alimentos, e ela os procurava ao
redor até onde podia ir. No outono juntava as nozes e folhas que haviam caído
no chão e levava-as para o oco da árvore; comia as nozes no inverno e, quando
chegavam à neve e o gelo, arrastava-se como um animalzinho para debaixo das
folhas para não sentir frio.
Não demorou
muito e suas vestimentas começaram a se rasgar e um pedaço após outro foi
caindo do corpo. Tão logo o Sol voltava a brilhar trazendo o calor, ela saía e
sentava-se diante da árvore e seus longos cabelos encobriam-na de todos os
lados como um manto. Assim foi passando ano após ano e ela ia experimentando a
miséria e sofrimento do mundo.
Uma vez,
quando as árvores tinham acabado de cobrir-se outra vez de verde, o rei que lá
reinava estava caçando na floresta e perseguia uma corça, e como esta havia se
refugiado nos arbustos que rodeavam a clareira da floresta, ele desceu do
cavalo e com sua espada foi arrancando o mato e abrindo caminho para poder
passar. Quando finalmente chegou do outro lado, avistou sob a árvore uma
donzela de maravilhosa beleza que lá estava sentada totalmente coberta até os
dedos dos pés pelos seus cabelos dourados. Ficou parado admirando-a com
assombro até que finalmente dirigiu-lhe a palavra e disse: “Quem és tu? Por que
estás aqui no ermo?” Mas ela não respondeu, pois sua boca estava selada. O rei
falou novamente: “Queres vir comigo até meu castelo?” Ela apenas assentiu
levemente com a cabeça. Então o rei a tomou nos braços, carregou-a até seu
corcel e cavalgou com ela para casa, e, quando chegou ao castelo real, ordenou
que a vestissem com belos trajes e tudo lhe foi dado em abundância. Embora não
pudesse falar, ela era afável e bela, e assim ele começou a amá-la do fundo de
seu coração e, não demorou muito, casou-se com ela.
Quando se
havia passado cerca de um ano, a rainha deu à luz um filho.
Nessa mesma
noite, quando estava deitada sozinha em seu leito, apareceu-lhe a Virgem Maria,
que disse “Se quiseres dizer a verdade e confessar que abriste a porta
proibida, destravarei tua boca e devolverei tua fala, mas se insistires no pecado
e teimares em negar levarei comigo teu filho recém-nascido.” Nesse momento foi
dado à rainha responder, porém ela manteve-se obstinada e disse:
“Não, não
abri a porta proibida”, e a Virgem Maria tomou-lhe o filho recém-nascido dos
braços e desapareceu com ele. Na manhã seguinte, quando não foi possível
encontrar a criança, começou a correr um murmúrio no meio do povo de que a
rainha comia carne humana e teria matado seu próprio filho. Ela ouvia tudo isso
e não podia dizer nada em contrário, mas o rei recusou-se a acreditar
naquilo
porque a amava muito.
Depois de um
ano nasceu mais um filho da rainha. Naquela noite voltou a parecer a Virgem
Maria junto dela dizendo: “Se quiseres confessar que abriste a porta proibida,
devolverei teu filho e soltarei tua língua; mas se insistires no pecado e
negares, levarei também este recém-nascido comigo.” Então a rainha disse
novamente: “Não, não abri a porta proibida”, e a Virgem tomou-lhe a
criança dos
braços e levou-a consigo para o Céu. De manhã, quando mais uma vez uma criança
havia desaparecido, o povo afirmou em voz bem alta que a rainha a tinha
devorado, e os conselheiros do rei exigiram que ela fosse levada a julgamento.
Mas o rei a amava tanto que não quis acreditar em nada, e ordenou aos
conselheiros que, se não estivessem dispostos a sofrer castigos corporais ou mesmo
a pena de morte, que deixassem de insistir no assunto.
No ano
seguinte a rainha deu à luz uma linda filhinha e, pela terceira vez, apareceu à
noite a Virgem Maria e disse: “Acompanha-me”. Tomou-a pela mão e conduziu-a até
o Céu, mostrando-lhe então os dois meninos mais velhos, que riam e brincavam
com o globo terrestre. A rainha alegrou-se com aquilo e a Virgem Maria disse:
“Teu coração ainda não se abrandou? Se confessares que abriste a porta proibida
devolverei teus dois filhinhos.” Mas a rainha respondeu pela terceira vez “Não,
não abri a porta proibida”. Então a Virgem Maria a fez descer novamente à
terra, tomando-lhe também a terceira criança.
Na manhã
seguinte, quando a notícia correu, todo o povo gritava “a rainha come gente,
ela tem que ser condenada”, e o rei não conseguiu mais conter seus
conselheiros. Ela foi submetida a julgamento e, como não podia responder e se
defender, foi condenada a morrer na fogueira. Quando haviam juntado a lenha e
ela estava amarrada a um pilar e o fogo começava a arder a sua volta, então se
derreteu o duro gelo do orgulho e seu coração encheu-se de arrependimento e ela
pensou: “Ah, se antes de morrer eu ao menos pudesse confessar que abri a
porta”. Nesse momento voltou-lhe a voz e ela gritou com força “Sim, Maria, eu a
abri!” No mesmo instante uma chuva começou a cair do céu apagando as chamas do
fogo, e sobre sua cabeça irradiou uma luz, e a Virgem Maria desceu tendo os
dois meninos, um de cada lado, e carregando a menina recém-nascida no colo. Ela
falou-lhe com bondade: “Quem confessa e se arrepende de seu pecado, sempre é
perdoado”, e entregou-lhe as três crianças, soltou-lhe a língua e deu-lhe de
presente a felicidade para a vida inteira.
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