quarta-feira, 28 de setembro de 2016

PETER PAN A HISTÓRIA DO MENINO QUE NÃO QUERIA CRESCER. Parte 6.

Em seguida deu uma ordem ao tenente do bando.
— "Olá, Capacete! Diga ao cozinheiro que prepare um pão-de-ló bem grande e bem bonito e que ponha dentro..."
Não pôde terminar. Um tique-taque muito seu conhecido fez-se ouvir perto.
— "O crocodilo!" — berrou o chefe dos piratas, disparando na fuga a todo galope, seguido pelo bando inteiro — e logo se sumiram no horizonte dentro duma nuvem de pó. O crocodilo, tique-taque, os acompanhou sem pressa nenhuma, filosofando que se daquela vez não o havia apanhado, de outra o apanharia.
— A senhora falou em nuvem de poeira, vovó. Mas a floresta não estava coberta de neve? — indagou Narizinho.
— Sim, minha filha. Mas a neve logo que cai, acumula-se solta como farinha. Se dá o vento, voa como poeira. Ora, os piratas fugiram ventando como tia Nastácia diz quando a carreira é séria, e, portanto levantavam nuvens de neve em pó.
— E que aconteceu depois? — quis saber Pedrinho.
— Pelo tropel, os meninos lá embaixo perceberam que os piratas haviam fugido e trataram de sair do subterrâneo. Foram subindo pelos ocos, e ao chegarem à superfície viram que os Peles-Vermelhas estavam na pista dos piratas.
— Que história é essa, vovó? Então os índios eram inimigos dos piratas?
— Eram aliados de Peter Pan e inimigos do Capitão Gancho, contra o qual andavam em guerra feroz.
O modo desses índios fazerem guerra merece ser contado. Eles trepavam às árvores para espiar ao longe, com a mão sobre os olhos em forma de viseira e aplicavam o ouvido sobre a terra para ouvirem os rumores distantes.
Caminhavam de rastos, como cobras, escondendo-se atrás de cada toco de pau ou moita. Levavam arcos e flechas e também um tantã, que entre os índios é o tambor da vitória.
Infelizmente era muito raro ouvir-se o som do tantã, porque os Peles-Vermelhas sempre saíam derrotados e fugiam como lebres.
Mas os meninos, ao porem as cabecinhas fora dos ocos só viram o fim da correria. Em minutos a poeira levantada pelos piratas em fuga e pelos índios perseguidores desapareceu no horizonte.
— Que expressão bonita! — exclamou Emília. — Desapareceu no horizonte!... Acho uma beleza em tudo quanto desaparece no horizonte. Inda hei de escrever uma história cheia de desaparecimentos no horizonte, com três pontinhos no fim...
E a boneca ficou absorta, de olhos pendurados no horizonte, enquanto Dona Benta, a rir-se, continuava a história.
— Passaram os piratas — disse ela. — Depois passaram os índios. Só faltava passar o bando de lobos famintos, que habitualmente acompanham os guerreiros para comer os mortos.
— E vieram os lobos nesse dia?
— Como não? Logo depois surgiram os lobos no horizonte; mas farejando a gentinha de Peter Pan fora do subterrâneo, desistiram de seguir os guerreiros e vieram como flechas devorar os meninos.
Peter Pan, entretanto, já havia descoberto o melhor meio de assustar lobo faminto. Consiste em sair ao encontro deles de costas, com a cabeça entre as pernas. Os lobos entreparam, desnorteados, não podendo compreender que espécie de animal é aquele, e depois fogem com velocidade maior ainda que a do Capitão Gancho ao ouvir o tique-taque do crocodilo.
Assim que os lobos famintos chegaram a uma certa distância, os seis meninos, guiados por Bicudo, correram-lhes ao encontro de costas, com a cabeça entre as pernas.
Foi uma beleza! Os lobos entrepararam uns segundos e em seguida voltaram-se nos pés e sumiram-se dentro da floresta.
Ora graças! Os meninos perdidos podiam enfim brincar sossegadamente de pegador ou chicote-queimado à luz do lindo luar que fazia. Mas não brincaram, porque Cachimbo lhes chamou a atenção para qualquer coisa no céu.
— "Olhem! Lá vem voando para o nosso lado uma espécie de pássaro branco bem grande..."
Todos ergueram o nariz e arregalaram os olhos. Não podiam compreender que pássaro fosse aquele. Não parecia garça, nem outra qualquer ave conhecida. Súbito, uma bola de fogo riscou o ar, vindo descer bem no meio deles. Era a fada Sininho.
— "Peter Pan manda dizer" — declarou ela nervosamente na sua linguagem do tlin, tlin, tlin — "que é preciso matar quanto antes essa ave que vem vindo."
Cachimbo, o melhor atirador do grupo, desceu imediatamente ao subterrâneo, de onde voltou com um arco e uma flecha. Ajustou a flecha ao arco, fez pontaria, esticou a corda e — zuct! — A flecha lá se foi assobiando e deu certinho no alvo. A ave branca vacilou no voo, cambaleou, descrevendo um parafuso e veio cair junto ao grupo. Todos correram para apanhá-la.
— "Não é ave!" — exclamaram cheios de surpresa. — "É uma linda menina de camisola branca. Talvez seja a tal mãezinha que Peter Pan vive prometendo trazer-nos."
Era Wendy, que se tinha adiantado dos demais durante o voo. A fada Sininho havia cometido aquela traição porque estava a roer-se de ciúmes: Gostava de Peter Pan e não podia suportar as atenções e requebrados do menino para com a sua nova conhecida. Daí lhe veio a ideia de fazê-la flechar por um dos meninos.
Nisto chegou Peter Pan, seguido de João Napoleão e Miguel. Assim que pôs o pé em terra, foi logo indagando:
— "Onde está Wendy?" — Ao saber que Wendy havia sido flechada, teve um grande acesso de cólera e passou mão do arco para também flechar Cachimbo no coração. E flechava mesmo, se não fosse Wendy despertar do desmaio ainda a tempo de impedir tamanho crime.
Wendy não havia sido ferida, porque a flecha batera justamente no botão-beijo que Peter Pan lhe havia dado. Só sentiu o choque da flecha; e como já estivesse cansada e tonta de tanto voar, bastou isso para fazê-la perder os sentidos e cair.
Vendo que ela estava vivinha, os meninos a rodearam na maior alegria, embora sem saber o que fazer. Levar Wendy para a morada subterrânea não lhes parecia bem.
Deixá-la por ali ao relento, era pior. O único remédio seria construir-lhe uma casinha bem ajeitada. Estavam a discutir esse ponto quando Wendy começou a cantar uma cantiga em verso por ela mesma inventada, assim:

Uma casinha quero ter,
Que menor não haja no mundo;
Terreiro bem limpo na frente,
Jardim de mil flores no fundo.

— "Pronto! Já sabemos o que ela quer!" — exclamaram os meninos em coro. — "Vamos fazer a casinha de Wendy, com jardim de mil flores ao fundo."
E foi uma lufa-lufa. Bicudo correu a cortar paus na floresta; Cachimbo desceu ao subterrâneo em procura duma velha grade muito ajeitada para a armação do teto; Assobio foi em busca dum pedaço de tapete velho e dum rolo de encerado.
Num instante ficou pronta a casinha. Peter Pan observou que haviam esquecido a chaminé. Onde já se viu casa sem chaminé? Correu os olhos em torno, em procura, e deteve-os no Miguel, que tinha na cabeça a cartola de seu pai.
— "Ótimo!" — gritou Peter Pan tomando a cartola. — "Melhor chaminé do que esta não é possível" — e arrumou-a em cima do teto.
E tudo mais foi assim. O material de construção mais empregado era o "faz-de-conta". Não tem fechadura na porta? Faz de conta que esta fivela é fechadura. Não tem cadeira? Faz de conta que esta pedra é cadeira.
Wendy não precisou entrar na casinha, porque a casinha havia sido construída em redor dela — e foi a primeira vez no mundo que semelhante coisa aconteceu.
Pronta a casa com a dona dentro, Peter Pan veio e bateu na porta — toque, toque, toque. Wendy surgiu à janela e perguntou quem era.
— "São os meninos perdidos que desejam saber se a menina está disposta a ser a mãezinha deles. Nunca tiveram mãe e querem experimentar se é bom."
— "Com muito gosto" — respondeu Wendy. — "Serei mãe de todos, contarei histórias à noite, remendarei as roupas de dia, agradarei aos que chorarem e ralharei com os que fizerem coisas inconvenientes — tudo igualzinho como mamãe faz lá em casa. Mas só serei mãe se Peter Pan quiser ser o pai."
Todos bateram palmas, numa grande alegria. Iam ter mãe afinal. Iam ter quem lhes contasse histórias — que maravilha!
— "História! História!" — exclamaram. — "Para começar, conte já uma linda história" — e os meninos foram entrando para a casinha, em atropelo. Era incrível que lá coubessem todos, mas couberam. Para isso foi preciso que se arrumassem com a habilidade e o jeito com que as sardinhas se arrumam dentro das latas.
Logo que todos se acomodaram, Wendy começou assim:
— "Era uma vez uma pobre menina chamada Cinderela" — e foi por aí além até que o sono tomasse conta de toda a sua filharada.
Tudo dormiu. Dormiu a floresta o seu sono agitado de morcegos, pios de coruja e uivos de lobo. Dormiu o crocodilo, lá longe. Dormiram os piratas; e os índios, vendo o inimigo a dormir, deixaram a perseguição para o dia seguinte e dormiram também.
Só não dormiu Peter Pan. Passou toda, a noite fora, de espada na mão, montando guarda à casinha da jovem mãe que havia arranjado para os meninos perdidos.
Dona Benta parou nesse ponto, achando que o melhor era também irem dormir.
— Chega por hoje. O resto fica para amanhã. Agora é cada um ir para sua cama sonhar com o Capitão Gancho e o crocodilo
— Credo! — exclamou tia Nastácia, erguendo-se. — Eu quero sonhar com Dona Wendy, que é tão galantinha. Mas com esse canhoto malvado, Deus me livre!
Pedrinho deu um suspiro. Estava lamentado não haver fugido para a Terra do Nunca tio dia em que nasceu.
Narizinho também suspirou. Quanto não daria para ser Wendy Darling?
Só Emília não suspirou, nem disse nada. Saiu dali muito quieta e foi mexer na caixa de ferramentas de Pedrinho.
Dona Benta encontrou-a lá, lidando para entortar um prego.
— Que é que está fazendo, Emília?
— Estou vendo se faço uma munheca de gancho como a do Capitão.
— E para que, bobinha?
— Para assustar tia Nastácia. Quero ganchar aquele beição dela...

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domingo, 18 de setembro de 2016

Sim, não, espera.

Outro dia, levei por escrito para minha mãe a lista de presentes que desejava ganhar no Natal: uma bola de futebol, um jogo de videogame e um celular.
A resposta também veio por escrito e dizia: Sim, não, espera.
Sem entender o bilhete, fui pedir explicações. Ela disse que cada palavra era a resposta para um dos meus pedidos. Logo:

Bola = Sim
Jogo de videogame = Não
Celular = Espera

Assim, entendi que vou ganhar a bola, mas ela não vai me dar o jogo de videogame que pedi porque é um jogo de guerra.
- Filho, não é bom e educativo ficar “fazendo guerra”, dando tiros, jogando bombas, destruindo cidades e matando pessoas, mesmo que seja de brincadeira. Esse jogo de videogame é igual a uma arma de brinquedo. Não quero que você cresça achando que matar é divertido ou correto.
Ela também explicou que a terceira resposta é espera porque ainda não é o momento certo para eu ganhar um celular:
- Tudo tem seu tempo, filho. Em um futuro próximo, dependendo da sua maturidade e responsabilidade, poderá ganhar um celular. Agora ainda é cedo, tenha um pouco de paciência.
Apesar de não concordar, afinal, já tenho onze anos, sei que por enquanto não vou ganhar o celular. Para completar mamãe explicou que Deus também usa sim, não, espera para responder ao que nós pedimos a Ele.
- Deus nos atende quando pedimos algo que merecemos ou que vai auxiliar na nossa evolução espiritual. Quando não somos atendidos, depois de um tempo, percebemos que nosso pedido não era legal para nós e que não foi a melhor resposta.
Como percebeu que eu ouvia atentamente, ela completou:
- Quando Deus responde espera, temos que confiar Nele. Também devemos orar, ter fé e paciência porque Ele sabe o que é melhor para nós.
Pensando bem, não vou brigar, nem ficar emburrado porque não vou ganhar tudo o que pedi. Sei que reclamar não vai adiantar e que o melhor a fazer é esperar e não discutir. Afinal, minha mãe sabe muito e, assim como Deus, também usa sim, não, espera...

Claudia Schmidt.


Fonte: http://www.searadomestre.com.br/evangelizacao/estoria.htm#simnaoespera

Atividade:

Colorir:


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Árvore de Amigos.

Existem pessoas em nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples fato de terem cruzado o nosso caminho.
Algumas o percorrem ao nosso lado, vendo muitas luas passarem, mas outras apenas vemos entre um passo e outro.
A todas elas chamamos de amigo.
Há muitos tipos de amigo.
Talvez cada folha de uma árvore caracterize um deles.
O primeiro que nasce do broto é o amigo pai e o amigo mãe.
Mostram o que é ter vida.
Depois vem o amigo irmão, com quem dividimos o nosso espaço para que ele floresça como nós.
Passamos a conhecer toda a família de folhas, a qual respeitamos e desejamos o bem.
Mas o destino nos apresenta outros amigos, os quais não sabíamos que iam cruzar o nosso caminho.
Muitos desses denominados amigos do peito, do coração.
São sinceros, são verdadeiros.
Sabem quando não estamos bem, sabem o que nos faz feliz…
Às vezes, um desses amigos do peito estala o nosso coração e então é chamado de amigo namorado.
Esse dá brilho aos nossos olhos, música aos nossos lábios, pulos aos nossos pés.
Mas também há aqueles amigos por um tempo, talvez umas férias ou mesmo um dia ou uma hora.
Esses costumam colocar muitos sorrisos na nossa face, durante o tempo que estamos por perto.
Falando em perto, não podemos esquecer dos amigos distantes.
Aqueles que ficam nas pontas dos galhos, mas que, quando o vento sopra, sempre aparecem novamente entre uma folha e outra.
O tempo passa, o verão se vai, o outono se aproxima, e perdemos algumas de nossas folhas.
Algumas nascem num outro verão e outras permanecem por muitas estações.
Mas o que nos deixa mais feliz é que as que caíram continuam por perto, continuam alimentando a nossa raiz com alegria.
Lembranças de momentos maravilhosos enquanto cruzavam com o nosso caminho.
Desejo a você, folha da minha árvore, paz, amor, saúde, sucesso, prosperidade. Hoje e Sempre… Simplesmente porque cada pessoa que passa em nossa vida é única, sempre deixa um pouco de si e leva um pouco de nós.
Há os que levaram muito, mas não há os que não deixaram nada.
Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente de que duas almas não se encontram por acaso.


- autor desconhecido-

Atividade:

Imprimir a imagem para que as crianças façam folhas na copa da árvore com as carinhas dos amigos e depois pintar.

Tema: amizade, amor ao próximo, cooperação, respeito.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Alice no País das Maravilhas. Capítulo 12 - O depoimento de Alice. Último capítulo.

"Presente” gritou Alice, esquecendo na excitação do momento o quanto tinha crescido nos últimos minutos. Ela saltou com tamanha pressa que acabou virando o banco do júri com a barra da saia, deixando os jurados de cabeça para baixo, esperneando. Alice lembrou-se muito do aquário de peixinhos dourados que tinha virado acidentalmente na semana anterior.
 “Oh, eu peço mil perdões!”, ela exclamou consternada, e começou a levantá-los o mais rapidamente que podia, pois o acidente com os peixinhos ainda estava em sua mente e ela estava com a sensação de que se não os recolocasse nos seus lugares eles poderiam morrer.
“A audiência não poderá prosseguir”, disse o Rei, com uma voz grave, “até que os jurados estejam de volta a seus lugares... todos”, ele repetiu com grande ênfase, olhando duramente para Alice ao falar.
Alice olhou para o banco dos jurados e percebeu que, em sua pressa, tinha colocado o Lagarto de cabeça para baixo e a pobre coisinha estava lá, agitando melancolicamente a cauda, incapaz de se mover. Ela apanhou-o novamente e colocou o pobre de cabeça para cima. “Não que isso mude alguma coisa”, disse para si mesma, “eu penso que de uma maneira ou de outra ele tem a mesma utilidade.”
Tão logo o júri recuperou-se do choque e que suas lousas e lápis foram encontrados e devolvidos, eles sentaram-se e começaram a trabalhar diligentemente no relato do acidente. Todos, exceto o Lagarto, que parecia muito chocado para fazer outra coisa que ficar com a boca aberta, olhando para o teto da corte com os olhos esgazeados.
“Que você sabe a respeito do caso?”, o Rei perguntou a Alice.
“Nada”, respondeu Alice.
“Nada de nada?”, insistiu o Rei.
“Nada de nada”, disse Alice.
“Isso é muito importante”, disse o Rei, voltando-se para o júri. Os jurados estavam começando a escrever em suas lousas quando o Coelho interrompeu:
“Desimportante, é o que Vossa Majestade quer dizer, claro”, ele disse, em um tom respeitoso, mas franzindo o cenho e fazendo caretas.
“Desimportante, é claro, foi o que eu quis dizer”, o Rei retomou rapidamente, e continuou falando consigo mesmo a meia-voz “importante... desimportante... desimportante... importante...” como se estivesse procurando qual palavra soava melhor.
Alguns dos jurados escreveram “importante” e alguns “desimportante”. Alice pôde ver porque estava perto o suficiente para ver as lousas. “Mas isso não tem a menor importância”, ela pensou consigo mesma.”
 Nesse momento o Rei, que estivera ocupado por algum tempo escrevendo alguma coisa em um caderno de anotações, gritou: “Silêncio!” e leu o que estava escrito.
“Artigo Quarenta e dois. Todas as pessoas com mais de um quilômetro e meio de altura devem abandonar o tribunal.”
Todo mundo olhou para Alice.
“Eu não tenho mais de um quilômetro e meio”, disse Alice.
“Tem sim”, disse o Rei.
“Quase três quilômetros”, completou a Rainha.
“Bem, de qualquer jeito, não vou embora”, disse Alice. “Além do mais, esse artigo não é legal, pois vocês acabaram de inventá-lo.”
“É o artigo mais antigo do código”, retrucou o Rei.
“Então deveria ser o Número Um”, argumentou Alice.
O Rei empalideceu, fechando seu livro de notas rapidamente.
“Façam seu veredito”, o Rei ordenou ao júri, com uma voz baixa e trêmula.
“Por favor, Vossa Majestade, ainda há evidências a serem examinadas”, disse o Coelho Branco, levantando-se apressado. “Esse papel acabou de ser descoberto.”




“O que há nele?”, perguntou a Rainha.
“Eu ainda não abri”, respondeu o Coelho Branco, “mas parece ser uma carta, escrita pelo prisioneiro para... para alguém.”
“Para quem ela é endereçada?”, perguntou alguém do júri.
“Não está endereçada a ninguém”, disse o Coelho Branco. “Na verdade, não tem nada escrito do lado de fora.” Ele foi abrindo o papel enquanto falava e completou: “Não é uma carta, afinal, são apenas versos.”
“E é a letra do prisioneiro?”, perguntou outro jurado.
“Não, não é”, respondeu o Coelho Branco, “e isso é o mais estranho.” (Os jurados pareciam confusos.)
“Talvez ele tenha imitado a letra de outra pessoa”, disse o Rei. (O júri ficou alegre novamente.)
“Por favor, Vossa Majestade”, pediu o Valete. “Eu não escrevi isso e ninguém pode provar que fui eu: não há nenhum nome assinado no final.”
“Se você não assinou”, disse o Rei, “apenas torna a situação pior para você. Com certeza você estava fazendo alguma coisa errada, senão teria assinado seu nome como um homem honesto.”
Houve um aplauso geral: aquilo fora a primeira coisa inteligente que o Rei tinha falado naquele dia.
“Isso prova sua culpa, logicamente”, continuou a Rainha, “portanto, cortem-lhe a...”
“Isso não prova coisa alguma”, gritou Alice. “Vocês nem ao menos sabem o que dizem os versos!”
“Leia-os”, ordenou o Rei.
O Coelho Branco colocou seus óculos. “Por onde devo começar, se Vossa Majestade permite?”, ele perguntou.
“Comece pelo começo”, disse o Rei com muita gravidade, “e siga até o fim: daí pare.”
Fez-se um silêncio mortal na corte enquanto o Coelho Branco lia estes versos:

Eles falaram que você chegou perto dela
E de mim para ela falou
Ela achou que eu era um bom caráter
Mas não me deixou nadar ainda assim.

Ele deu sua palavra que não tinha sido eu
(E todos sabemos isso é verdade)
Se ela quisesse mesmo saber
O que aconteceria com você?

Eu dei para ele um, eles lhe deram então dois,
Você para nós deu três ou mais
Eles todos devolveram os seus
Mas todos eram meus antes

Se houvesse chance de ela ou eu
Estarmos envolvidos nesse problema
Ele pediria a vocês para libertá-los
E fomos libertados.

Eu achava que era o que tinha sido
(Antes de ela dar seu estrilo)
Um obstáculo que apareceu
Entre ele, nós e aquilo.

Não o deixe ver que ela a eles tem amado
Para sempre deve ser
Um segredo, de todos mantido a parte
Entre você e eu.

“Esta é a prova mais importante que já ouvimos aqui”, disse o Rei esfregando as mãos, “portanto, vamos agora aos jurados...”
“Se algum deles for capaz de entender os versos”, disse Alice (a menina tinha crescido tanto nos últimos minutos que não estava com medo nenhum de interromper o Rei), “eu lhe darei seis pence. Eu acho que não há um mínimo de sentido em nada.”
Todo o júri escreveu, em suas lousas. “Ela acha que não há um mínimo de sentido em nada”. Mas nenhum deles se habilitou a explicar os versos.
“Se não há sentido neles”, disse o Rei, “isso livra o mundo de um incômodo, você sabe, não precisamos procurar um. E eu não sei não”, ele continuou desdobrando o papel sobre os joelhos, olhando para ele de rabo de olho, “eu até diria que há algum sentido neles, afinal de contas ‘... Mas disse que eu não sei nadar...’ Você não sabe nadar, sabe?”, ele perguntou virando-se para o Valete.
O Valete balançou a cabeça tristemente. “Eu pareço com alguém que sabe nadar?”, ele respondeu (Certamente que não, pois ele era uma carta de baralho feita de papelão.)
“Tudo bem por enquanto”, disse o Rei, que continuou a falar sobre os versos para si mesmo: “E isso, nós sabemos, é verdade... isso é o júri, claro... Porém, se ela quisesse ir ao fim... isso deve ser a Rainha... Que seria de ti, saber quem há de?... O quê, afinal?... Deram duas a ele, a ela dei uma... ora, isso deve ser o que ele fez com as tortas, certo?”
“Mas os versos continuam com Todas voltaram, não faltou nenhuma”, disse Alice.
“Certo, lá estão elas!”, disse o Rei com ar de triunfo, apontando para as tortas sobre a mesa. Nada poderia ser mais claro que isso. Depois vem... Antes dela dar seu estrilo... você nunca deu estrilo algum, não é, minha querida?“, ele disse para a Rainha.
“Nunca!”, respondeu a Rainha furiosamente, jogando um tinteiro em cima do Lagarto enquanto falava. (O infeliz pequeno Bill tinha parado de escrever na lousa com o dedo, pois percebera que de nada adiantava; mas depois do ataque começou a escrever novamente usando a tinta que lhe escorria pela cara, enquanto não secava.)
“Então suas palavras têm estilo”, disse o Rei olhando para o tribunal com um sorriso. Havia um silêncio de morte.
“É um trocadilho!”, o Rei completou com raiva, e então todo mundo começou a rir. “Deixemos o júri considerar seu veredito”, disse o Rei, mais ou menos pela vigésima vez no dia.
“Não, não!”, disse a Rainha. “A sentença primeiro... depois o veredito.”
“Que disparate!”, disse Alice em voz alta. “Que ideia imbecil esta da sentença antes!”
“Dobre sua língua”, gritou a Rainha, vermelha de raiva.
“Não dobro não!”, respondeu Alice.
“Cortem-lhe a cabeça!”, a Rainha berrou o mais alto que pôde. Ninguém se mexeu.
“Quem se importa com você?”, disse Alice (que acabara de voltar ao seu tamanho normal). Vocês não passam de um baralho de cartas!”
Nesse instante todo o baralho voou no ar, começando depois a cair sobre Alice; ela deu um gritinho, meio com medo, meio com raiva, tentando rebatê-las. A menina achou-se então deitada no barranco com a cabeça no colo da irmã, que gentilmente afastava algumas folhas secas que tinham caído da árvore sobre elas.
“Acorde, Alice querida!”, disse a irmã. “Nossa, que sono pesado você teve!”
“Puxa, que sonho estranho que eu tive!”, disse Alice. Então ela contou para a irmã, tão bem quanto pôde lembrar as estranhas Aventuras que vocês acabaram de ler. Então, depois que terminou, sua irmã deu-lhe um beijo e disse “Foi um sonho curioso, querida, certamente; mas agora se apresse, é hora do chá: está ficando tarde.”
Alice levantou-se e saiu correndo, pensando enquanto corria que aquele tinha mesmo sido um sonho maravilhoso.
Mas sua irmã ficou lá mesmo, com a cabeça entre as mãos, pensando na pequena Alice e em suas maravilhosas Aventuras, até que ela mesma começou a sonhar e este foi seu sonho...
Primeiro, ela sonhou com a pequena Alice: mais uma vez suas mãozinhas estavam pousadas nos joelhos e seus olhos brilhantes olhavam para ela... ela podia até mesmo ouvir os diferentes tons da sua vozinha e ver aquele jeito só dela de atirar a cabeça para trás e afastar as mechas de cabelo que sempre teimavam em lhe cair sobre os olhos...e enquanto escutava, ou parecia que escutava, todo o espaço envolta dela ia ficando repleto daquelas estranhas criaturinhas do sonho da irmãzinha.
A grama farfalhava sob os pés do apressado Coelho Branco... o Rato assustado espalhava água para fora da lagoa...ela podia ouvir o tilintar das xícaras de chá enquanto a Lebre de Março e seus amigos partilhavam da sua refeição que nunca acabava, e a vozinha aguda da Rainha ordenando a execução dos seus infelizes convidados...mais uma vez o bebê-porco estava espirrando no colo da Duquesa, enquanto pratos e travessas se espatifavam em volta...e mais uma vez o guincho do Grifo, o ranger do giz do Lagarto e os tais aplausos sufocados dos porcos-da-índia enchiam o ar, misturados com os soluços distantes da miserável Falsa Tartaruga.
Sentada, com os olhos fechados, quase acreditou estar ela mesma no País das Maravilhas, mesmo sabendo que quando abrisse os olhos novamente tudo voltaria a ser a chata realidade de sempre... a grama se mexeria apenas com o vento e a lagoa estaria se movimentando apenas com os juncos...o tilintar da xícaras novamente seria o badalar dos sinos pendurados nos pescoços dos carneiros...os gritos agudos da Rainha seriam apenas os berros do pastor...o espirro do bebê, o guincho do grifo, e todas as outras coisas esquisitas iriam transformar-se (ela sabia) no confuso clamor da vida no campo...assim como o mugir do gado à distância iria tomar lugar dos pesados soluços da Falsa Tartaruga.
Finalmente, ela imaginou como sua irmãzinha, no futuro, transformar-se-ia em uma mulher adulta: e como ela iria manter através da sua maturidade o mesmo coração simples e afetuoso da sua infância: como também ela sempre estaria cercada de criancinhas e faria os olhos delas brilharem com muitas histórias estranhas, talvez até mesmo com o sonho do País das Maravilhas de há muito tempo atrás; como ela adoraria compartilhar com suas tristezas simples e alegrar-se com suas brincadeiras ingênuas, lembrando-se da sua própria infância e daqueles felizes dias de verão.
FIM.


Alice no País das Maravilhas.
Lewis Carroll.

Ilustrações de John Tenniel.


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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Tanta tinta.

Fonte da imagem:http://www.publicdomainpictures.net/view-image.php?image=96482&picture=pintura
da-crianca

Ah! Menina tonta,
toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta...
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
com tanta tinta?...)

A ponte aponta
e se desaponta.
A tontinha tenta
limpar a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta...
Ah! A menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!

Cecília Meireles.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

50.000 acessos do blog!


Em pouco mais de um ano o blog completa 50.000 acessos, sinal que estou no caminho certo, e uma nova maneira de pensar nas nossas crianças, donas do futuro, faz-se urgente e necessária.
O mundo mudou, as crianças mudaram. Não podemos mais usar velhas fórmulas em mentes mais evoluídas que as nossas.
Foi pensando em tudo isso, e baseada nos meus estudos e na minha experiência como evangelizadora da infância, além da minha formação como professora, que decidi fazer esse blog voltado à educação integral da criança.
Um ano e aproximadamente dois meses passados, o blog mudou sua marca sem deixar o foco principal que é a contação de histórias, fábulas, lendas, folclore, como ferramentas preciosas na formação infantil.
Agradeço a você que esteve comigo de alguma forma, lendo ou comentando, compartilhando e alguns conforme depoimentos, usando as historinhas para suas aulas ou evangelização.
Muito obrigada pelo carinho de todos, se não fosse a presença de vocês o blog não existiria.
E para finalizar, deixo a frase que gosto muito, mas não achei a autoria, se alguém souber favor me avisar que dou os créditos:

“Não pense apenas no mundo que vamos deixar para nossos filhos, mas também nos filhos que vamos deixar para nosso mundo.”

A Polegarzinha. Hans Christian Andersen. Domínio Público.

Fonte da imagem:http://www.publicdomainpictures.net/view-image.php?image=115844&picture=lavanderia-do-bebe

Era uma vez uma mulher que queria ter um filho muito pequenino, mas não sabia como havia de fazer para encontrar um. Então, foi ter com uma velha bruxa e disse-lhe:
— Gostava tanto de ter um filho pequenino! Não sabes dizer-me onde posso arranjar um?
— Oh, isso não é difícil — disse a bruxa. — Aqui tens um grão de cevada, e olha que não é da que cresce nos campos dos lavradores nem daquela que as galinhas comem. Planta este grão num vaso e verás o que acontece!
— Oh, obrigada! — disse a mulher, dando uma moeda de prata à bruxa.
Depois foi para casa e semeou o grão. Não foi preciso esperar muito tempo para que nascesse uma bela flor; parecia uma tulipa, mas as pétalas estavam muito fechadas como se fosse ainda um botão.
— Que linda flor! — disse a mulher, dando um beijo nas pétalas vermelhas e amarelas.
Nesse preciso momento, a flor abriu-se com um forte estalido. Era realmente uma tulipa — agora via-se bem —, mas mesmo no centro da flor, no centro verde, estava sentada uma menina minúscula, graciosa e delicada como uma fada. Não era maior que metade de um polegar, e por isso ficou a chamar-se Polegarzinha.
A cama em que dormia era uma casca de noz muito bem polida; tinha um colchão de pétalas de violeta azuis escuras e o seu cobertor era uma pétala de rosa. Dormia ali à noite, mas durante o dia brincava em cima da mesa, onde a mulher tinha posto um prato de sopa cheio de água com um círculo de flores à volta, com os caules virados para o meio. Dentro do prato, a flutuar, estava uma grande pétala de tulipa em que a Polegarzinha se podia sentar e remar de um lado para o outro usando dois pelos brancos de cavalo como remos. Era lindo de se ver! Ela também sabia cantar, e tinha a vozinha mais frágil e mais doce que jamais se ouviu.
Uma noite, quando estava deitada na sua linda cama, um sapo entrou no quarto através de um vidro partido da janela. O sapo parecia muito grande e estava molhado quando saltou para cima da mesa onde a Polegarzinha dormia profundamente debaixo da sua pétala de rosa.
— Ora aqui está uma bela esposa para o meu filho! — disse o sapo.
E pegou na cama de casca de noz em que a Polegarzinha estava a dormir e saltou com ela através da janela para o jardim. No fim do jardim corria um largo regato, de margens pantanosas e lamacentas; era aí que o sapo vivia com o seu filho.
Este não era nada bonito; na realidade, era igualzinho ao pai.
— Croc! Croc! Brec-rec-rec! — foi tudo quanto disse quando viu a linda menina na casca de noz.
— Não fales tão alto, se não ela acorda — disse-lhe o pai. — Olha que pode fugir, porque é leve como uma pena de cisne. Já sei, vamos pô-la no meio do rio, em cima de uma daquelas grandes folhas de nenúfar! Assim, ela vai pensar que está numa ilha, porque é uma criaturinha minúscula. Entretanto, nós podemos começar a preparar o melhor quarto debaixo da lama, para vocês os dois lá viverem.
No regato, havia muitos nenúfares com grandes folhas verdes que pareciam flutuar soltas na água. A folha que estava mais longe era também a maior de todas, e foi nela que o velho sapo pousou a casca de noz com a Polegarzinha. A pobre menina acordou muito cedo e, quando viu onde estava, começou a chorar amargamente, porque havia água a toda a volta da grande folha e era impossível voltar para terra.
Entretanto, o velho sapo andava metido na lama, decorando atarefadamente o quarto com juncos e flores aquáticas amarelas, para ficar bonito e alegre para a sua futura nora. Depois, acompanhado pelo filho, nadou até à folha onde estava a Polegarzinha. Iam buscar a linda cama de casca de noz para a colocarem no quarto antes de a noiva ir para lá.
O velho sapo, ainda dentro de água, fez uma profunda vénia e disse à Polegarzinha:
— Este é o meu filho. Vai ser o teu marido, e vocês os dois vão viver muito felizes numa bela casa debaixo da lama.
— Croc! Croc! Brec-rec-rec! — foi tudo o que o filho disse.
Então, pegaram na bonita caminha e lá foram a nadar com ela, enquanto a Polegarzinha ficava sozinha na folha verde, a chorar, porque não lhe apetecia nada viver com o velho sapo nem casar com o filho dele. Ora os peixinhos que nadavam ali por baixo tinham visto o sapo e ouvido o que ele dissera, de maneira que deitaram as cabeças de fora para verem a menina. Mas, assim que o fizeram, viram como era bonita e ficaram cheios de pena por ela ter de ir viver na lama com o sapo. Não, isso não podia acontecer! Juntaram-se em redor do pé verde da folha em que ela estava e puseram-se a roê-lo sem parar.
Lá foi a folha, flutuando pelo regato, levando a Polegarzinha para longe, cada vez para mais longe, para onde o sapo não podia ir.
Quando ela passava, os passarinhos nas árvores cantavam "Que linda criaturinha!" assim que a viam. E a folha lá ia a deslizar, cada vez para mais longe - e foi assim que a Polegarzinha chegou a outro país.
Uma linda borboleta branca esvoaçava por cima dela e acabou por pousar na folha, porque tinha começado a gostar da menina. Como ela estava feliz agora! O sapo já não podia apanhá-la e era tudo maravilhoso à sua volta, para onde quer que olhasse. A água, onde o sol brilhava, parecia ouro a cintilar. A Polegarzinha tirou o seu cinto e deu uma ponta à borboleta amiga e atou a outra à folha. Agora é que ia mesmo depressa!
Nesse momento, um grande escaravelho apareceu a voar por cima dela. Assim que viu a menininha, agarrou-a num ápice pela cintura e voou com ela para cima de uma árvore. A folha verde continuou a flutuar rio abaixo com a borboleta.
Meu Deus!, como a Polegarzinha ficou assustada quando o escaravelho a levou para cima da árvore! E como teve pena da sua amiga, a borboleta branca! Mas o escaravelho não queria saber disso. Pousou na maior folha verde da árvore e largou-a aí. Deu-lhe pólen para comer e disse-lhe que ela era muito bonita, embora não tanto como um escaravelho.
Em breve, todos os outros escaravelhos que viviam na árvore foram visitá-la. Olhavam para ela, e as jovens escaravelhas encolhiam as antenas, dizendo: "Mas só tem duas pernas, este inseto miserável! Não tem antenas! Tem uma cintura tão fina! Parece mesmo humana! Que feia que é!", e por aí fora, apesar de a Polegarzinha ser realmente uma criatura linda.
O escaravelho que a tinha levado também era desta opinião, mas quando todas as escaravelhas disseram que ela era horrível, ele começou a pensar o mesmo e acabou por não querer saber dela; podia ir para onde quisesse. Várias escaravelhas pegaram nela e voaram até ao solo, deixando-a em cima de uma margarida. Lá ficou ela a chorar, por ser tão feia que os escaravelhos não a queriam — e, no entanto, era a criaturinha mais bonita que se podia imaginar, mais bela que a mais perfeita pétala de rosa.
Durante todo o Verão, a pobre Polegarzinha viveu completamente sozinha na grande floresta. Teceu uma cama com ervas e pendurou-a como se fosse uma rede por baixo de uma grande folha de azeda, para ficar abrigada da chuva. Para comer apanhava mel e pólen das flores e bebia as gotas de orvalho que encontrava todas as manhãs nas folhas. E assim passou o Verão e o Outono, mas depois chegou o Inverno, o longo e frio Inverno. Os passarinhos, que tão docemente tinham cantado, voavam agora para longe, as árvores perdiam as folhas, as flores murchavam. Depois, a grande folha de azeda que lhe fazia de telhado começou a enrolar-se e murchou, até que ficou apenas uma haste seca e amarela. A Polegarzinha tinha imenso frio, porque o seu vestido estava todo roto e ela era muito frágil e pequenina. Em breve morreria de frio. A neve começou a cair, e cada floco que caía sobre ela era tão pesado como uma pazada atirada a um de nós. Afinal, ela só tinha dois centímetros e meio de altura. Embrulhou-se numa folha murcha, mas não conseguiu aquecer-se, e tremia cada vez mais.
Por essa altura, já tinha alcançado a orla da floresta. Mesmo ao lado havia um grande campo de trigo, mas este tinha sido ceifado há muito tempo e só se via o restolho seco na terra gelada. Para ela, aquilo era o mesmo que uma floresta para atravessar e oh!, como ela tremia de frio! Finalmente, chegou à porta de um rato do campo, que vivia numa casinha por baixo do restolho. Era aconchegada e confortável, com um armazém cheio de trigo, uma cozinha quente e uma sala de jantar. A pobre Polegarzinha parou à porta da casa do rato como se fosse uma mendiga e pediu se ele lhe dava um bocadinho de um grão, porque já há dois dias que não comia nada.
— Pobrezinha! — disse o rato do campo, que tinha muito bom coração. — Vem para a cozinha, que está quente, e comes comigo.
Gostou tanto da companhia da Polegarzinha que acabou por lhe dizer:
— Podes ficar comigo durante o Inverno, mas tens de limpar e arrumar a casa e contar-me histórias. Gosto muito de histórias.
A Polegarzinha fez o que o velho rato do campo lhe disse; e o tempo foi passando agradavelmente.
— Em breve teremos uma visita — disse o rato do campo. — O meu vizinho vem visitar-me todas as semanas. A casa dele ainda é melhor do que a minha, com grandes e belos quartos, e ele usa um lindo casaco de veludo preto! Se conseguisses que ele casasse contigo, nunca mais te faltaria nada. Mas ele é quase cego, de maneira que tens de te preparar para lhe contar as melhores histórias que souberes.
A Polegarzinha não gostou muito da ideia. Não lhe apetecia nada casar com o vizinho rico; era um toupeiro, e veio fazer a sua visita com o casaco de veludo preto. O rato do campo lembrou à Polegarzinha como ele era rico e culto; disse-lhe que a casa dele era vinte vezes maior do que a sua.
Que ele sabia muitas, muitas coisas, embora não gostasse do sol e das lindas flores, porque nunca os tinha visto. A Polegarzinha teve de cantar para ele, e cantou:
 Tive uma nogueirazinha
e Joaninha voa, voa.

O toupeiro apaixonou-se pela sua linda voz, mas não disse nada, porque era muito cauteloso.
Ele tinha escavado recentemente uma passagem muito longa, que ia da sua casa à do vizinho, e disse ao rato do campo e à Polegarzinha que podiam ir visitá-lo quando quisessem. Mas pediu-lhes que não tivessem medo da ave morta que estava na passagem. Contou-lhes que a ave não tinha qualquer marca nem ferida, não lhe faltavam penas, e o bico estava intacto; devia ter morrido há muito pouco tempo, com a chegada do Inverno, e, de alguma maneira, tinha caído na sua passagem subterrânea.
Então, o toupeiro agarrou num pedaço de madeira podre com a boca (porque a madeira podre brilha como fogo no escuro) e foi à frente para iluminar a longa passagem para os seus convidados. Depressa chegaram ao sítio onde estava a ave, e o toupeiro empurrou o teto com o focinho largo, levantando a terra para fazer um buraco que deixou entrar a luz do dia. E lá estava uma andorinha, com as lindas asas encostadas ao corpo, as pernitas e a cabeça escondidas nas penas; a pobre ave de certeza que tinha morrido de frio. A Polegarzinha teve muita pena dela, porque amava todas as avezinhas, que tinham cantado e chilreado para ela de uma maneira tão encantadora durante todo o Verão. Mas o toupeiro empurrou a andorinha para o lado com as suas pernas curtas e disse:
— Esta já não assobia mais! Que pouca sorte nascer ave! Felizmente que nenhum dos meus filhos será como elas. Uma ave não sabe fazer nada a não ser dizer tuit-tuit e depois morrer de fome no Inverno!
— Sim, lá nisso tens razão — disse o rato do campo. — Com todo o seu tuit-tuit, que é que elas fazem quando chega o Inverno? Morrem de fome e de frio. E, no entanto, toda a gente as acha muito importantes.
A Polegarzinha não disse uma palavra, mas, quando os outros recomeçaram a andar, baixou-se, afastou meigamente as penas da cabeça da andorinha e beijou-lhe os olhos fechados.
— Talvez esta seja a que cantou tão suavemente para mim durante o Verão — pensou. — Que felicidade me deu esta pobre avezinha da floresta!
Então, o toupeiro tapou o buraco que tinha feito para deixar entrar a luz do dia e acompanhou as visitas a casa. Mas nessa noite a Polegarzinha não conseguia dormir, de maneira que levantou-se e teceu uma cobertazinha de feno. Quando acabou, foi pô-la em cima da ave. Ao lado, deixou um pouco de lanugem de cardo que tinha encontrado na sala de estar do rato do campo, para que a ave pudesse repousar quentinha sobre a terra fria.
— Adeus, linda andorinha! — disse ela. — Adeus e obrigada pelas tuas belas canções no Verão, quando as árvores estavam verdes e o Sol brilhava tão alegremente sobre nós todos!
Depois encostou a cabeça ao coração da andorinha — mas ficou logo muito espantada, porque parecia que alguma coisa batia lá dentro. Era o coração da andorinha a bater. Não estava morta, apenas entorpecida pelo frio, e, como tinha sido aquecida, começava a voltar a si.
No Outono, as andorinhas voam todas para terras mais quentes, mas, se uma delas se atrasa, o frio pode fazê-la gelar; então cai no chão e depressa fica coberta de neve.
A Polegarzinha tremia, assustada; a ave era muito maior do que ela, que só tinha dois centímetros e meio de altura. Mas encheu-se de coragem e aconchegou a lanugem de cardo ao corpo da pobre andorinha. Depois, foi a correr buscar a sua coberta, uma folha de hortelã, para lhe tapar a cabeça.
Na noite seguinte, esgueirou-se outra vez para visitar a andorinha — ela estava realmente viva, mas tão fraca que mal pôde abrir os olhos para olhar para a Polegarzinha. Ali estava ela, com um pedacinho de madeira podre na mão, porque não tinha outra lanterna.
— Obrigada, obrigada, linda menina — disse a andorinha doente. — Aqueceste-me tão bem que depressa estarei suficientemente forte para voar ao sol brilhante.
— Oh! — exclamou a Polegarzinha —, ainda está muito frio lá fora! Há neve e gelo por todo o lado. Fica aí na tua caminha quente que eu trato de ti.
Depois levou-lhe água numa folha, e a andorinha bebeu e contou-lhe como tinha magoado uma asa numas silvas e, por isso, não tinha conseguido voar tão depressa como as outras andorinhas quando partiram para terras mais quentes. Por fim, acabara por cair, e não se lembrava de mais nada. Não fazia a menor ideia de como tinha ido parar ali.
Durante todo o Inverno, a andorinha ficou na passagem subterrânea. A Polegarzinha tratou dela e tornou-se muito sua amiga. Mas não disse nada ao toupeiro nem ao rato do campo, porque eles não gostavam de avezinhas. Por fim, chegou a Primavera e os raios de Sol começaram a atravessar a terra. A andorinha disse adeus à Polegarzinha e reabriu o buraco que o toupeiro tinha feito no teto da passagem. A luz do Sol encheu ambas de alegria, e a andorinha pediu à Polegarzinha que fosse com ela; podia subir para as suas costas e voariam para a floresta cheia de verdura. Mas a Polegarzinha sabia que o velho rato do campo ficaria triste se ela se fosse embora assim sem mais nem menos.
— Não, não posso ir — disse ela.
— Então adeus, adeus, linda menina bondosa! — respondeu a andorinha, voando em direção ao Sol.
A Polegarzinha viu-a subir no céu, e os seus olhos encheram-se de lágrimas, porque se tinha tornado muito amiga da pobre andorinha.
— Tuit, tuit! — cantou a avezinha, voando em direção à floresta verde.
A Polegarzinha estava agora muito triste. Não a deixavam sair para a claridade do Sol, e, nos campos onde vivia, o trigo era tão alto que, para ela, era como uma floresta que se erguia muito acima da sua cabeça.
— Tens de ter o teu enxoval pronto este Verão — disse o rato do campo, porque, entretanto, o vizinho toupeiro do casaco de veludo tinha proposto casamento à Polegarzinha. — Precisas de roupas de linho e lã e de muitos cobertores e lençóis quando fores casada com o toupeiro.
A Polegarzinha teve de trabalhar arduamente com a roca, e o toupeiro contratou quatro aranhas para tecerem para ela de dia e de noite. Todas as tardes lhe fazia uma vista e dizia sempre que, quando o Verão acabasse e o Sol não estivesse tão terrivelmente quente e deixasse de queimar a terra até a deixar dura com uma pedra, então casariam. Mas a Polegarzinha não estava nada satisfeita, porque não gostava daquele velho toupeiro tão pomposo. Todas as manhãs, quando o Sol se erguia, e todas as noites, quando se punha, ela esgueirava-se lá para fora; quando o vento fazia ondular as espigas de trigo, conseguia ver o céu azul e pensava sempre como era bom e belo viver ao ar livre. Desejava imenso ver de novo a sua amiga andorinha, mas ela não voltou a aparecer; tinha voado para o bosque verde coberto de folhas.
Quando o Outono chegou, o enxoval da Polegarzinha estava pronto.
— Casas daqui a quatro semanas — disse o rato do campo.
Mas a Polegarzinha começou a chorar e disse que não queria casar com o toupeiro.
— Que disparate! — respondeu o rato do campo. — Não te ponhas com problemas. Arranjaste um marido esplêndido, pois nem a rainha tem um casaco de veludo preto tão bom como o dele! E pensa naquela cozinha e cave tão bem fornecidas! Deves agradecer a tua boa sorte.
E, assim, chegou o dia do casamento. O toupeiro já tinha ido buscar a Polegarzinha, pois ela ia viver com ele bem debaixo do solo; nunca mais poderia apanhar a luz radiante do Sol, porque o toupeiro não a suportava. Cheia de tristeza, foi dizer o último adeus ao Sol brilhante; enquanto vivera com o rato do campo, sempre a tinham deixado ir pelo menos até à porta.
— Adeus, Sol brilhante! — disse ela, erguendo os braços em direção a ele e dando alguns passos no campo imenso, pois o trigo tinha sido ceifado e só ficara o restolho. — Adeus, adeus — disse ela outra vez, abraçando uma florzinha vermelha que crescia por entre os caules. — Se alguma vez tornares a ver a andorinha, diz-lhe que lhe mando saudades!
Nesse preciso momento ouviu um som — tuit, tuit — mesmo por cima de si. Era a andorinha.
Como estava, contente por ver a sua amiga Polegarzinha! Então esta contou-lhe que tinha de casar nesse mesmo dia com o toupeiro e ir viver com ele debaixo da terra, onde o Sol nunca brilhava. E as lágrimas saltaram-lhe dos olhos só de pensar nisso.
— Vem aí o frio Inverno — disse a andorinha. — Vou voar para longe, para os países quentes. Por que não vens comigo? Podes subir para as minhas costas e atares-te a mim com o teu cinto. Deixamos o toupeiro e a sua casa escura e voamos para muito, muito longe, por cima das montanhas, para um país onde o Sol brilha ainda mais do que aqui, onde é sempre Verão e onde as matas e as florestas estão cobertas das mais belas flores. Ah, vem comigo, querida Polegarzinha, tu que me salvaste a vida quando eu estava gelada na escura passagem debaixo da terra!
— Sim, vou contigo — acabou por dizer a Polegarzinha.
Sentou-se nas costas da ave e atou o cinto a uma das suas penas mais fortes. Então, a andorinha ergueu-se muito alto no céu e voou por cima de florestas, lagos e montanhas onde há sempre neve. O ar gelado fazia a Polegarzinha tremer, mas ela enfiava-se debaixo das penas quentes da ave e só espreitava para olhar, assombrada, para as belas coisas lá em baixo.
Por fim, chegaram aos países quentes. Aí, o Sol brilhava com muito mais intensidade do que a Polegarzinha supunha ser possível; o céu parecia duas vezes mais alto. Ao longo das estradas, havia deliciosas uvas brancas e roxas; limões e laranjas pendiam das árvores; o ar estava perfumado de mirto e de muitas outras plantas aromáticas; e, pelos caminhos, corriam muitas crianças lindas, a brincar por entre coloridas borboletas. Mas a andorinha voou ainda para mais longe, para onde a paisagem era também ainda mais bonita. E então, à sombra de enormes árvores verdes, na margem de um lago azul-safira, viram um palácio muito antigo construído em mármore branco, com videiras enroladas nas suas altas colunas. Mesmo no cimo das colunas havia muitos ninhos de andorinhas, e num deles vivia a amiga da Polegarzinha.
— A minha casa é esta — disse ela. — Mas, se quiseres escolher uma daquelas lindas flores ali em baixo, eu ponho-te lá, e podes viver feliz à tua vontade.
— Ah, como vou gostar! — gritou a Polegarzinha, batendo as mãozinhas.
Uma grande coluna branca estava caída por terra, partida em três bocados, e entre eles cresciam altas e belas flores brancas. A andorinha voou até lá abaixo com a Polegarzinha e poisou-a numa pétala. Então, a Polegarzinha teve uma grande surpresa. Ali, no centro da flor, estava um principezinho, tão belo e delicado que parecia feito de vidro. Tinha na cabeça a coroa de ouro mais bonita que pode imaginar-se e nos ombros um par de asas coloridas e brilhantes, e não era maior do que a própria Polegarzinha. Era o espírito que guardava a flor. Em cada flor havia uma criaturinha igual, mas ele era o rei de todas.
— Que bonito que ele é! — sussurrou a Polegarzinha à andorinha.
O principezinho ao princípio ficou muito assustado com a ave, que lhe parecia gigantesca, mas quando viu a Polegarzinha ficou cheio de alegria. Achou que ela era a mais bela de todas as criaturas que jamais tinha visto, mesmo entre as fadas das flores. Tirou a coroa de ouro da sua cabeça e colocou-a na dela e perguntou-lhe como se chamava e se queria ser sua mulher e rainha de todas as flores.
Bem, este marido podia ela amar de verdade — era muito diferente do filho do sapo ou do velho toupeiro com o seu casaco de veludo. E por isso disse que sim ao belo príncipe. Então, ergueu-se de cada flor uma criaturinha, rapaz ou rapariga, homem ou mulher, tão pequeninas e tão bonitas que era emocionante vê-las. Todas deram uma prenda à Polegarzinha, mas a melhor de todas foi um lindo par de asas. Prenderam-nas aos ombros da Polegarzinha, e agora também ela podia voar de flor em flor. Toda a gente estava cheia de alegria: era como uma maravilhosa festa de Verão. A andorinha, lá em cima no seu ninho, cantou-lhes a canção mais bonita que sabia, mas no fundo estava triste, porque gostava tanto da Polegarzinha que não queria separar-se dela.
— Nunca mais te chamarás Polegarzinha — declarou o príncipe das flores. — Não é um nome suficientemente bonito para uma criatura tão bela como tu. A partir de agora, vamos chamar-te Maia!
— Adeus, adeus — disse a andorinha, quando chegou à altura de voar de novo dos países quentes para a Dinamarca.
Aí, ela tinha um pequeno ninho ao lado da janela do homem que escreve contos de fadas.
— Ouve, ouve — trinou a andorinha para o escritor de contos de fadas...
E foi assim que soubemos esta história.


Autoria: Hans Christian Andersen - Domínio Público.