domingo, 23 de outubro de 2016

PETER PAN A HISTÓRIA DO MENINO QUE NÃO QUERIA CRESCER. Parte 7. A Lagoa das Sereias.

Fonte da imagem:https://pixabay.com/pt/sereia-fantasia-recados-p%C3%A1gina-1301877/

Na terceira noite tia Nastácia apareceu na sala ainda mais desapontada do que na véspera. O que estava acontecendo com a sua pobre sombra era simplesmente monstruoso.
— Veja Sinhá — disse ela paxá Dona Benta, colocando-se entre a parede e o lampião de modo a tornar a sombra bem visível.
— Veja Sinhá, como está toda rendada a minha sombra. O ladrão, que ontem me cortou a cabeça dela e um pedaço do ombro, acaba hoje de cortar uma porção de outros pedacinhos.
Realmente assim era. O resto da sombra da pobre negra estava todo picado de buracos feitos à tesoura.
— É um mistério que não consigo decifrar — disse Dona Benta sacudindo a. cabeça. — O Visconde, o nosso grande detetive, bem que podia tomar conta deste caso. Fale com ele.
Tia Nastácia conferenciou com o Visconde, obtendo do grande detetive a promessa de "investigar."
— Deixe a coisa comigo — disse ele. — Já resolvi aquele célebre caso do falso gato Félix e posso muito bem resolver este do ladrão de sombras. Deixe a coisa comigo.
Liquidado o incidente, Dona Benta retomou a história de Peter Pan no ponto em que a tinha deixado na véspera.
— Onde estávamos mesmo? — perguntou ao sentar-se em sua cadeira de pernas serradas.
— Os meninos perdidos haviam construído a casinha de Wendy e todos dormiram dentro dela, menos Peter Pan, que ficou de guarda — lembrou Narizinho.
— Sim, é isso mesmo — confirmou Dona Benta. —
Dormiram na casinha a primeira noite e depois outras.
Durante toda uma semana os meninos não se afastaram dali. Estavam encantados com a mãezinha que Peter Pan lhes arranjara e Wendy estava igualmente encantada com os seus seis filhos. A felicidade naquele acampamento seria completa, se não fosse a tristeza em que havia caído a fada Sininho. Vivia sempre emburrada, escondida pelos cantos, sem coragem de falar com Peter Pan.
Mas tudo cansa. Ao fim da primeira semana. Wendy mostrou vontade de sair a passeio pela floresta, ou algum outro lugar.
— "Podemos ir à Lagoa das Sereias" — propôs Peter Pan.
— "A nossa Terra do Nunca não possui unicamente coisas terríveis, como os piratas e os lobos famintos. Esse Lago das Sereias é lindo, lindo!"
A ideia foi recebida com entusiasmo. Wendy e seus irmãozinhos só conheciam as sereias dos livros de figura.
Sereias de verdade, com cauda de peixe e escamas, bem vivas e perigosas, nunca haviam visto nenhuma, por não serem criaturas encontráveis no jardim zoológico de Londres. Havia lá de tudo — hipopótamos, rinocerontes, leões, tigres, girafas, serpentes, ursos, focas — mas sereia, nenhuma.
— "Vamos, vamos ver as sereias!" — gritaram todos no maior assanhamento.
Num minuto fizeram-se os necessários preparativos e lá se foram todos. Depois de longa viagem avistaram o grande lago verde-mar, em cujo fundo se erguia o palácio encantado das sereias. Às vezes todas elas vinham à tona para se pentearem ao sol, espalhadas pelos rochedos. Outras vezes só se via por ali uma ou outra.
Quando os meninos chegaram à beira d’água, só encontraram uma.
— "Que beleza!" — exclamou Wendy, enlevada. — "Tal qual uma que vem pintada no meu livro de capa azul.
Vejam como as escamas brilham ao sol! Parecem de prata..."
Era na verdade uma das mais lindas sereias do bando.
Tinha os cabelos cor de ouro e bronze misturados, com reflexos verdes. Estava reclinada sobre um rochedo e enquanto cantava corria um pente de ouro pelos cabelos maravilhosos.
— E era lindo esse canto? — indagou Narizinho.
— Oh, nem queira saber! — disse Dona Benta. Ninguém pode dar ideia da beleza do canto das sereias. Só ouvindo.
Tão diferente do canto das criaturas humanas que é até perigoso para nós. Grandes desgraças têm acontecido no mar aos marinheiros que ouviram tais cantos.
— É verdade, vovó, que os marinheiros antigamente entupiam os ouvidos com chumaços de algodão sempre que avistavam uma sereia? — perguntou Pedrinho.
— Deve ser. Não fazendo isso, esse canto maravilhoso deixa os marinheiros embriagados e eles erram todas as manobras do navio, puxam esta corda em vez daquela, botam garrafas de vinho no anzol em vez de iscas — atrapalham tudo, tudo. Resultado: o navio perde o rumo, dá com o bico numa pedra e afunda.
Os meninos perdidos tinham muita vontade de apanhar uma sereia viva, coisa quase impossível por serem espertas demais. Não há lambari arisco que tenha a ligeireza duma sereia. Eles já haviam tentado várias vezes e agora iam tentar novamente.
— Como?
— O meio era um só — meterem-se n’água de jeito que a sereia não os visse e fecharem o cerco. Assim fizeram.
Meteram-se todos n’água e foram nadando sem fazer o menor barulhinho, até que...
— Pegaram? — indagou Narizinho, ansiosa.
— Pegaram nada! A sereia os percebeu e soltou um grito agudo: Mortais! Mergulhando em seguida.
Ficaram todos desapontadíssimos e Miguel chegou a fazer cara de choro. Se não chorou de verdade foi porque Bicudo avistou outra sereia numa rocha mais adiante.
— "Lá está uma sereia-menina, das fáceis de pegar!" — cochichou ele, apontando. — "Temos que ir com muitas cautelas."
Era uma sereiazinha das mais lindas que a gente possa imaginar. Teria aí seus sete anos de idade, já sabia pentear-se com o seu pentinho de ouro e já começava a cantar as primeiras cantigas. Tão distraída estava a seguir os movimentos dum caranguejo na pedra, que deixou os meninos se aproximarem até bem perto. Miguel, que vinha na frente, não se conteve e — zás! — deu um pulo em cima dela.
— Pegou? — quis saber Narizinho, ansiosíssima.
— Desta vez pegou — respondeu Dona Benta — mas não a segurou bem. As sereias são as criaturas mais lisas que existem, dez vezes mais que o sabão, de modo que a sereiazinha escorregou das unhas de Miguel e lá se foi para o fundo, tal qual a primeira.
— Que pena vovó! — exclamou Narizinho. — Todas as histórias de sereias acabam sempre assim. Quando chega a hora de agarrar uma, acontece isto ou aquilo e elas escapam...
— Hei de fazer uma história diferente — declarou Emília. Uma história onde todas as sereias sejam agarradas e amarradas e trazidas para a cidade dentro dum caminhão.
— Pois você errará Emília, se escrever uma história assim — disse Dona Benta. — Além de ser uma judiação arrancar do seu elemento criaturas tão lindas, essa pesca e essa trazida para a cidade em caminhão viria destruir a beleza e o mistério das sereias. Sabe o que acontecia? Os jornais davam o retrato delas impresso em tinta preta (nos livros elas aparecem em lindas pinturas de cores macias); os sábios de óculos vinham estudá-las, isto é, abri-las com as suas facas chamadas bisturis para ver o que tinham dentro, e mil outros horrores. Não, Emília. É melhor que ninguém nunca pegue uma sereia — nem você tampouco.
Na sua historinha, agarre a sereia, mas faça que ela escape no momento de entrar para o caminhão. Ficará muito mais poética a sua historinha, eu garanto.
— Credo! Disse tia Nastácia. — Os homens são tão malvados que até eram capazes de picar as coitadas em pedaços, para vender nos açougues lombo de sereia, entrecosto de sereia, rabo de sereia, miolo de sereia...
— Continue vovó — pediu Pedrinho. — A sereiazinha escapou e...
— E sumiu-se no fundo d’água, indo avisar as outras, de modo que naquele dia não houve mais sereias na superfície do lago.
— E os meninos voltaram para a casinha de Wendy...
— Não. Em vez de sereia apareceu ao longe um bote.
Os piratas do Capitão Gancho, que haviam ancorado o seu navio a uns dez ou doze quilômetros daquele ponto, lá vinham vindo de bote para o lado dos pegadores de sereias.
Como fosse grande o perigo, a meninada tratou de voltar para a praia quanto antes. O meio era um só — nadar, e lançaram-se à água e nadaram para terra sem sequer volver os olhos para trás. Só Peter Pan se animou a fazer isso. Olhou e viu que Pantera Branca, a chefa dos índios Peles-Vermelhas, vinha de pé à proa do bote, amarrada com cordas.
Peter Pan franziu a testa. Fazia assim sempre que tinha de resolver um problema urgente. Parece que com o tal franzimento de testa ele espremia o cérebro para que espirrasse alguma boa ideia. — "Já sei" — murmurou para si mesmo logo depois. — "Os terríveis piratas derrotaram os índios e aprisionaram Pantera Branca, e agora vão abandoná-la num rochedo para que morra afogada pela
maré."
Peter Pan tinha adivinhado. O bote dirigia-se para o rochedo onde estivera a sereia grande, com ordem do Capitão Gancho para largar lá a índia, bem amarrada com grossas cordas.
"Mas isso não pode ser!" — pensou consigo Peter Pan.
"Preciso salvar a pobre criatura, custe o que custar. Pantera Branca é nossa aliada e nossa amiga." — Franziu de novo a
testa e imediatamente espirrou de dentro do seu cérebro outra ideia muito boa.
— Qual foi? — quis saber Pedrinho.


Você quer saber a ideia de Peter Pan? Vamos aguardar o próximo episódio.

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