Era uma vez
um homem muito rico, cuja mulher adoeceu. Esta, quando sentiu o fim
aproximar-se, chamou a sua única filha à cabeceira e disse-lhe com muito amor:
-Amada
filha, continua sempre boa e piedosa. O amor de Deus há de acompanhar-te
sempre. Lá do céu velarei sempre por ti.
E dito isto,
fechou os olhos e morreu.
A menina ia
todos os dias para junto do túmulo da mãe chorar e regar a terra com suas
lágrimas. E continuou boa e piedosa. Quando o inverno chegou, a neve fria e
gelada da Europa cobriu o túmulo com um manto branco de neve. Quando o sol da
primavera o derreteu, o seu pai casou-se com uma mulher ambiciosa e cruel que
já tinha duas filhas parecidas com ela em tudo.
Mal se
cruzou com elas a pobre órfã percebeu que nada de bom podia esperar delas, pois
logo que a viram disseram-lhe com desprezo:
- O que é
que esta moleca faz aqui? Vai para a cozinha, que é lá o teu lugar!!!
E a madrasta
acrescentou:
- Têm razão,
filhas. Ela será nossa empregada e terá que ganhar o pão com o seu trabalho
diário.
Tiraram-lhe
os seus lindos vestidos, vestiram-lhe um vestido muito velho e deram-lhe
tamancos de madeira para calçar.
- E agora já
para a cozinha! - disseram elas, rindo.
E, a partir
desse dia, a menina passou a trabalhar arduamente, desde que o sol nascia até
altas horas da noite: ia buscar água ao poço, acendia a lareira, cozinhava,
lavava a roupa, costurava, esfregava o chão...
À noite,
extenuada de trabalho, não tinha uma cama para descansar. Deitava-se perto da
lareira, junto ao borralho (cinzas), razão pela qual lhe puseram o apelido de
Gata Borralheira.
Os dias se
passavam e a sorte da menina não se alterava. Pelo contrário, as exigências da
madrasta e das suas filhas eram cada vez maiores.
Um dia, o
pai ia para a cidade e perguntou às duas enteadas o que queriam que ele lhes
trouxesse.
- Lindos
vestidos - disse uma.
- Joias -
disse a outra.
- E tu,
filhinha, Gata Borralheira, o que queres? - perguntou-lhe o pai.
- Um ramo
verde da primeira árvore que encontrares no caminho de volta.
Terminada a
compra, ele comprou os vestidos para as enteadas e as joias que tinham pedido e
no caminho de regresso cortou para a filha um ramo da primeira árvore que
encontrou. De uma Oliveira.
Ao chegar a
casa, deu às enteadas o que lhe tinham pedido e entregou à filha um galho de
oliveira, árvore que produz azeitonas. Ela correu para junto do túmulo da mãe,
enterrou o ramo na terra e chorou tanto que as lágrimas o regaram. Começou a
crescer e tornou-se uma bela árvore.
A menina
continuou a visitar o túmulo da mãe todos os dias e certa vez ouviu uma bonita
pomba branca dizer-lhe:
- Não chores
mais, minha querida. Lembra-te que, a partir de agora, cumprirei todos os teus
desejos.
Pouco depois
o rei anunciou a todo o reino que ia dar uma festa durante três dias para a
qual estavam convidadas todas as jovens que queriam casar-se, a fim de que o
príncipe herdeiro pudesse escolher a sua futura esposa.
Imediatamente
as duas filhas da madrasta chamaram a Gata Borralheira e disseram-lhe:
-
Penteia-nos e veste-nos, pois temos que ir ao baile do príncipe para que ele
possa escolher qual de nós duas será a sua esposa.
A Gata
Borralheira obedeceu humildemente. Mas quando viu as duas luxuosamente
vestidas, desatou a chorar e suplicou à madrasta que também a deixasse ir ao
baile.
- Ao baile,
tu? - respondeu ela - Já te olhaste ao espelho?
A madrasta,
face à insistência da Gata Borralheira, acrescentou ao mesmo tempo em que
atirava um pote de lentilhas para as cinzas:
- Está bem!
Se separares as lentilhas em duas horas, irás conosco.
A menina
saiu para o jardim a chorar e lembrando-se do que a pomba lhe tinha dito,
expressou o seu primeiro desejo:
- Dócil
pombinha, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar as
lentilhas.
- Os grãos
bons no prato, e os maus no papo.
Duas
pombinhas brancas, seguidas de duas rolinhas e de uma nuvem de passarinhos
entraram pela janela da cozinha, e começaram a bicar as lentilhas. E muito
antes de terminarem as duas horas concedidas, separaram as lentilhas.
Entusiasmada, a menina foi mostrar à madrasta o prato com as lentilhas
escolhidas. - Muito bem. – disse a madrasta, com ironia - Mas que vestido vais
usar? E, além disso, tu não sabes dançar. Será melhor ficares em casa.
Desconsolada,
a Gata Borralheira começou a chorar, ajoelhou-se aos pés da madrasta e voltou a
suplicar-lhe que a deixasse ir ao baile.
- Está bem.
- disse ela com cinismo - Dou-te outra oportunidade.
E voltou a
espalhar dois potes de lentilhas sobre as cinzas.
- Se
conseguires escolher as lentilhas numa hora, irás ao baile.
A doce
menina saiu a correr para o jardim e gritou:
- Dóceis
pombinhos, rolinhas e todos os passarinhos do céu, venham ajudar-me a separar
as lentilhas.
- Os grãos
bons no prato, e os ruins no papo.
De novo, duas
pombas brancas entraram pela janela da cozinha, depois as pequenas rolas e um
bando de passarinhos, e pic-pic-pic escolheram-nas e voaram para sair por onde
entraram.
A menina
logo correu e mostrou à madrasta as lentilhas escolhidas, mas de nada lhe serviu.
- Deixa-me
em paz com as tuas lentilhas! Vais ficar em casa e pronto! Ponto final! E cest
fini. (Pronuncia-se: Cé finí).
Virou-lhe as
costas e chamou as filhas.
Quando já
não havia ninguém em casa, a Gata Borralheira foi junto ao túmulo da mãe, debaixo
da oliveira, e gritou:
- Arvorezinha.
Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para eu me vestir.
A pomba que
lhe tinha oferecido ajuda, apareceu sobre um ramo e, estendendo as asas,
transformou os seus farrapos num lindíssimo vestido de baile e os seus tamancos
em luxuosos sapatos bordados a ouro e prata.
Quando
entrou no salão de baile, todos os presentes se admiraram perante tamanha
beleza. Mas as mais surpreendidas foram as duas filhas da madrasta que estavam
convencidas que seriam as mais belas da festa. Porém, nem elas, nem a madrasta
ou o pai reconheceram a Gata Borralheira.
O príncipe
ficou fascinado ao vê-la. Tomou-a pela mão e os dois começaram o baile. Durante
toda a noite esteve ao seu lado e não permitiu que mais ninguém dançasse com
ela.
Chegado o
momento de se despedirem, o príncipe ofereceu-se para acompanhá-la, pois ardia
de desejo por saber quem era aquela jovem e onde morava. Mas ela deu uma
desculpa para se retirar por momentos e aproveitou para abandonar o palácio a
correr e deixar em baixo de uma árvore o seu formoso vestido e os sapatos.
A pomba, que
estava à sua espera, pegou neles com as suas patinhas e desapareceu na
escuridão da noite. Ela vestiu o vestido cinzento, o avental e os tamancos e,
como de costume, deitou-se junto à chaminé e adormeceu. No dia seguinte, quando
se aproximou a hora do início do segundo baile, esperou até ouvir partir a
carruagem e correu para junto da árvore:
- Arvorezinha.
Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir.
E de novo
apareceu a pomba e a vestiu com um vestido ainda mais lindo que o da noite
anterior e calçou-lhe uns sapatos que pareciam de ouro puro. A sua aparição no
palácio causou sensação maior ainda do que da primeira vez. O próprio príncipe,
que a esperava impaciente, sentiu-se ainda mais deslumbrado. Pegou-lhe na mão
e, de novo, dançou com ela toda a noite.
Ao chegar a
hora da despedida, o príncipe voltou a oferecer-se para acompanhá-la, mas ela
insistiu que preferia voltar sozinha para casa. Mas desta vez o príncipe seguiu-a.
De repente, parecia que tinha sido engolida pelo chão. Em vez de entrar em
casa, a jovem Gata Borralheira, de vergonha, escondeu-se atrás de uma frondosa
oliveira que havia no jardim. O príncipe continuou a procurá-la pelas
redondezas, até que decepcionado regressou ao palácio.
A Gata
Borralheira abandonou então o seu esconderijo, e quando a madrasta e as filhas
chegaram ela já tinha tirado as vestes faustosas (bonitas) e posto os seus
trapos velhos.
No terceiro
dia, quando o pai fustigou o cavalo e a carruagem se afastou com a sua a esposa
e filhas, a menina aproximou-se de novo da árvore e disse:
- Arvorezinha.
Toca a abanar e a sacudir. Atira ouro e prata para me vestir.
E a pomba,
uma vez mais, trouxe-lhe um vestido de sonho, de seda com aplicações de
suntuoso chale e uns sapatos bordados a ouro para os seus pequeninos e
delicados pés. E depois, colocou-lhe sobre os ombros uma capa de veludo
dourado.
Quando
entrou no salão de baile, a belíssima Gata Borralheira foi recebida com uma
exclamação de assombro por parte de todos os presentes.
O príncipe
apressou-se a beijar-lhe a mão e a abrir o baile, não se separando dela toda a
noite.
Pouco antes
da meia-noite, a jovem despediu-se do príncipe e pôs-se a correr. O príncipe
não conseguiu alcançá-la, mas encontrou na escadaria uns sapatinhos dourados
que ela tinha perdido durante a sua precipitada fuga. Apanhou-o e apertou-o
contra o coração.
Na manhã
seguinte, mandou os seus mensageiros difundirem por todo o reino que se casaria
com aquela que conseguisse calçar o precioso sapato.
Depois de
todas as princesas, duquesas e condessas o terem inutilmente experimentado,
ordenou aos seus emissários que o sapato fosse provado por todas as jovens,
qualquer que fosse a sua condição social e financeira.
Quando chegaram
a casa onde vivia a Gata Borralheira, a irmã mais velha insistiu que devia ser
ela a primeira a experimentar e, acompanhada pela mãe que já a imaginava
rainha, subiu ao quarto, convencida que lhe servia. Mas o seu pé era demasiado
grande. Então a mãe, furiosa, obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:
- Embora te
aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que
andar a pé nunca mais.
A jovem
disfarçou a dor que sentia e subiu para a carruagem, apresentando-se diante do
filho do rei.
Embora ele
tenha notado de imediato que aquela não era a bela desconhecida que conhecera
no baile, teve que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e
foram juntos dar um passeio. Mas, ao passar diante de uma frondosa árvore, viu
sobre os seus ramos duas pombas brancas que o advertiram:
- Olha para
o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...
O príncipe
desmontou e tirou-lhe o sapato. E ao ver como o pé estava roxo e inchado,
percebeu que tinha sido enganado. Voltou a casa e ordenou que a outra irmã
experimentasse o sapato.
A irmã mais
nova subiu ao quarto, acompanhada da mãe, e tentou calçá-lo. Mas o seu pé
também era demasiado grande.
E a mãe
obrigou-a a calçá-lo à força, dizendo-lhe:
- Embora te
aperte agora, não te preocupes. Pensa que em breve serás rainha e não terás que
andar a pé nunca mais.
A filha
obedeceu, enfiou o pé no sapato e, dissimulando a dor, apresentou-se ao
príncipe que, apesar de ver que ela não era a bela desconhecida do baile, teve
que considerá-la como sua prometida. Montou-a no seu cavalo e levou-a a passear
pelo mesmo sítio onde levara a sua irmã. Ao passar diante da árvore onde
estavam as duas pombas, ouviu-as de novo adverti-lo:
- Olha para
o pé da donzela, e verás que o sapato não é dela...
O príncipe
tirou-lhe o sapato e ao ver que tinha o pé ainda mais inchado que a irmã,
percebeu que também ela o tinha enganado.
- Aqui vos
trago esta impostora. E dai graças a Deus por não ordenar que sejam castigadas.
Mas se ainda tendes outra filha, estou disposto a dar-vos nova oportunidade e
eu mesmo lhe calçarei o sapato.
- Não. Não
temos mais filhas - disse a madrasta.
Mas o pai
acrescentou:
- Bem, a
verdade é que tenho uma filha do meu primeiro casamento, aa qual vive conosco.
É ela que faz a limpeza da casa e por isso anda sempre suja. É a Gata
Borralheira.
- As minhas
ordens dizem que todas as jovens sem exceção devem experimentar o sapato.
Tragam-na à minha presença. Eu mesmo o calçarei.
A Gata
Borralheira tirou um dos pesados tamancos e calçou o sapato sem o menor
esforço. Coube-lhe perfeitamente.
O príncipe,
maravilhado, olhou bem para ela e reconheceu a formosa donzela com quem tinha
dançado.
- A minha
amada desconhecida! - exclamou ele - Só tu serás minha dona e senhora.
O príncipe,
radiante de felicidade, sentou-a ao seu lado no cavalo e tomou o mesmo caminho
por onde tinha ido com as duas impostoras. Pouco depois, ao aproximar-se da
árvore onde estavam as pombas, ouviu-as dizer:
- Continua Príncipe,
a tua cavalgada, pois a dona do sapato já foi encontrada.
As pombas
pousaram sobre os ombros da jovem e os seus farrapos transformaram-se no
deslumbrante vestido que ela tinha levado ao último baile.
Chegaram ao
palácio e de imediato foi celebrado o casamento. Quando os habitantes do reino
souberam da forma como o desnaturado pai, a madrasta e as duas filhas tinham
tratado aquela que agora era a sua adorada princesa, começaram a desprezá-los
de tal modo que eles tiveram que abandonar o país.
A princesa,
fiel à promessa feita à mãe, continuou a ser piedosa e bondosa como sempre e
continuou a visitar o seu túmulo e a orar debaixo da árvore, testemunha de
tantas dores e alegrias.
Um comentário:
Adorei seu blog, conheci através do cbblogers, já estou seguindo. Biejos.
Visite: http://carpediemmica.blogspot.com.br/
Postar um comentário