Continuação da história, clique AQUI capítulo anterior.
— "Moro
com os meninos perdidos."
—
"Fiquei na mesma. Quem é essa gentinha? Nunca ouvi falar em meninos
perdidos."
—
"Meninos perdidos são os meninos que caem dos carrinhos nos jardins
públicos quando as amas se distraem a namorar os soldados. Se as mães deles não
conseguem encontrá-los no prazo de quinze dias, eles são remetidos para a Terra
do Nunca, onde quem manda sou eu.”
— "Que
engraçado!" — exclamou Wendy. — "Terra do Nunca! Está aí uma terra
que eu não sabia que existisse. As geografias não falam dela. E depois? Que ideia
a sua, de aparecer por cá esta noite?"
— "Eu
costumo vir sempre" — respondeu Peter Pan — "para escutar do lado de
fora da janela as histórias tão lindas que sua mãe conta. Tantas vezes vim que
sou capaz de repetir uma por uma todas as histórias que vocês já ouviram."
— "Mas
como é lá na Terra do Nunca?"
— "Oh,
uma terra linda, Wendy! Temos piratas terríveis num grande lago, temos alcateias
de lobos famintos que percorrem a floresta e temos uma tribo de índios ferozes,
os Peles-Vermelhas, como são chamados. E temos ainda as sereias."
—
"Sereias?" repetiu Wendy batendo palmas. — "Com cauda?"
— "Com
cauda, escamas e tudo. Sereias iguaizinhas a essas que você vê pintadas nos
livros. Uma lindeza, Wendy!"
Wendy não
cabia em si de encantamento ante as maravilhas contadas por Peter Pan: Ele,
porém, alegou que era tarde e tinha de ir-se embora.
— "Os
meninos perdidos já devem estar inquietos com a minha ausência, e ansiosíssimos
por ouvir o fim da história que a Senhora Darling contou hoje. Já sabem a
primeira parte. Eu venho cá, ouço as histórias ali da janela e depois as conto
a eles direitinho."
— "Não
vá ainda!" — pediu Wendy. — "Eu sei mais de cem histórias, cada qual
mais bonita, e se você ficar eu as contarei todas. Fique."
— "Mais
de cem histórias? Oh, que mina!" — exclamou Peter Pan, batendo palmas. —
"Nesse caso o melhor seria ir você comigo para a Terra do Nunca. Poderá
contar todas essas histórias aos meninos perdidos, poderá ainda remendar a roupa
deles, pregar botões e de noite fazê-los dormir — tudo como a
Senhora Darling
faz aqui. Oh, Wendy, venha comigo..."
A tentação
era enorme. Visitar um país daqueles, com feras e piratas e índios e sereias, e
ter ainda toda aquela meninada para brincar! Que bom não
seria... Mas
a menina vacilava.
— "Não
posso, Peter Pan. Mamãe não o consentiria nunca. E, além disso, deve ser muito
longe essa terra."
— "Que
importa que seja longe? Iremos voando, e para quem voa não há distâncias."
—
"Voando? Mas eu não sei voar, Peter Pan! Que ideia..."
— "Eu
ensino, não seja essa a dúvida. Em dois minutos deixo você voando que nem uma
andorinha."
Aquilo era
demais. Era ainda melhor do que ver sereias. Voar, voar...
Wendy não
pôde resistir à tentação: resolveu que iria. Em todo caso, duvidou um pouco.
— "Já
disse que ensino" — assegurou Peter Pan com firmeza. — “Eu, quando digo,
faço”.
— "E
ensina também ao Joãozinho e ao Miguel? Se formos para lá temos de ir
todos."
—
"Ensino, sim, claro que ensino. Está resolvida? Vai mesmo?"
—
"Estou resolvida, vou!" — respondeu Wendy com firmeza — e pulando da
cama foi acordar os irmãozinhos.
João
Napoleão e Miguel sentaram-se na cama esfregando os olhos, e logo que souberam
do caso, deram pulos de contentamento. Gostavam de piratas e sereias ainda mais
que Wendy e, portanto ficaram ainda mais assanhados.
Queriam
partir incontinenti.
—
"Isso, não!" — disse Peter Pan. — "Antes de mais nada vocês precisam
tomar umas lições de voo."
— "É
fácil voar?" — indagou Miguel.
— "É
assim" — e Peter Pan deu uma demonstração, esvoaçando pelo quarto como se
fosse uma borboleta.
Vendo a
facilidade, os meninos tentaram fazer o mesmo. Subiram às camas, ergueram os
braços e atiraram-se. Mas foi só tombo. Esborracharam-se no tapete.
Peter Pan
riu-se.
— "Não
é assim, meninos. Eu tenho de soprar em vocês um pó mágico que certa fada me
deu" — e dizendo isto sacou do bolso uma caixinha do pó mágico e soprou
uma pitada no nariz de cada um; depois mandou que experimentassem, que subissem
às camas, erguessem os braços e dessem outro pulo para o ar.
Os meninos
experimentaram e com grande assombro viram que estavam leves como plumas e que
podiam equilibrar-se no ar com a maior facilidade.
—
"Estou que nem esses balõezinhos de borracha que mamãe enche de gás"
— disse Miguel. — "Estou sem peso nenhum!" — e voou quase tão bem como
Peter Pan. Por falta de experiência os três voadores deram algumas cabeçadas no
forro, mas alguns minutos depois estavam que nem uma andorinha que havia ficado
presa no quarto dois dias antes.
Vendo-os
nesse ponto, Peter Pan achou que não era preciso mais.
Podiam
partir.
—
"Muito bem" — disse ele. — “Podemos partir”. Sininho seguirá na frente,
para indicar o caminho. Em segundo lugar vou eu com Wendy. Depois vai João
Napoleão e por último, Miguel. Aprontem-se para partir.
Foi uma
correria. João Napoleão quis levar uma porção de coisas, mas teve que desistir
porque ficaria muito pesado. Miguel correu ao vestíbulo da casa em busca dum
gorro e como não o encontrasse veio com uma cartola do Senhor Darling na
cabeça. Wendy resolveu ir como estava, de camisola mesmo.
—
"Pronto?" — perguntou Peter Pan.
—
"Pronto" — responderam todos.
—
"Então vamos lá. Um, dois e... três!"
Ouviu-se um
prrrrr... E ergueram-se nos ares os quatro meninos, na ordem mareada pelo chefe
e com a bola de fogo voando à frente para indicar o caminho. E lá se foram para
a maravilhosa Terra do Nunca...
Justamente
naquela hora Mrs. Darling estava na sala de jantar contando ao marido a
história da sombra. O Senhor Darling sorria.
—
"Impossível, querida. Isso há de ser sonho. É um absurdo."
Nisto soou o
prrrrr... Julgando que fosse alguma coruja que houvesse entrado na nursery, a
Senhora Darling correu para lá. Ao ver a janela aberta e as três camas vazias,
deu um grito e desmaiou.
Neste ponto
Dona Benta interrompeu a história, deixando o resto para o dia seguinte.
Aguardem a continuação aqui no blog.
Peter Pan por Monteiro Lobato - Domínio Público.
Um comentário:
Puxa, adorei isso aqui. Adoro esse mundo mágico, paralelo, que a meu ver devia ser o mundo principal, pois é o mundo mais suave, de fantasias, de pureza, um mundo que quando crianças habitamos, mas que enquanto vamos crescendo, vamos perdendo. É por isso que Peter Pan se recusa a crescer, eu também não cresci muito, vivo mais no mundo paralelo do que aqui no mundo físico.. não é fácil, mas faço todo o possível. Seguindo. Abração!
Postar um comentário