Fonte da imagem:https://pixabay.com/pt/homem-antigo-pescador-retrato-415552/
Havia um pescador muito velho e muito pobre que mal conseguia ganhar dinheiro para não deixar morrer de fome sua mulher e seus três filhos. Todos os dias, de madrugada, ele saía para pescar.
Lançava sua
rede ao mar quatro vezes.
Um dia, numa
noite de lua, foi até a praia.
Tirou a
roupa, entrou na água e lançou a rede.
Quando a
puxou, sentiu resistência. Pensou:
“– Desta
vez, fiz uma boa pescaria!” – e ficou muito contente. Porém, quando foi ver o
que estava nas malhas da rede, notou que não passava de uma carcaça de burro, e
passou da alegria à mais completa tristeza.
O pescador,
então, costurou a rede, que tinha-se rasgado com a carcaça, e a lançou de novo
às águas.
Ao puxá-la,
sentiu grande resistência e concluiu:
“– Ah, desta
vez minha rede está cheia de peixes!”.
Mas só
encontrou nas malhas da rede um grande cesto cheio de areia e lama. Ficou
desesperado e disse:
– Ó sorte! Deixe
de estar com raiva de mim.
Não persiga
um pobre coitado que está suplicando para que você o poupe! Saí de minha casa e
só vim ganhar o meu sustento; você me anuncia a morte!
Não sei
fazer outra coisa para sobreviver, mas, apesar de todos os meus esforços, não
consigo nem mesmo satisfazer as necessidades mais básicas de minha família.
Pondo fim a
suas queixas, o pescador jogou o cesto e, depois de ter lavado cuidadosamente a
rede enlameada, lançou-a ao mar pela terceira vez. Mas só conseguiu tirar das
águas do mar pedras e sujeira.
Quase
enlouqueceu de tanto desespero. Entretanto, como o dia começava a nascer, não
se esqueceu de sua prece, como bom muçulmano. Em seguida, suplicou:
– Meu Deus,
bem sabeis que só lanço a rede quatro vezes por dia. Já a joguei três vezes, e
nada consegui com o meu trabalho. Só me resta uma chance.
Suplico: fazei o mar favorável a mim!
Terminada a
prece, lançou a rede pela quarta vez. Quando achou que deveria haver peixe,
puxou-a sem muito esforço. Não, não havia peixe, mas, em vez disso, um estranho
vaso de cobre que, pelo peso, pareceu estar cheio. Estava fechado e lacrado com
chumbo. “– Vou vendê-lo e, com o dinheiro, comprarei trigo”, pensou ele.
Depois de examinar
o vaso cuidadosamente, o pescador sacudiu-o para ver se o que havia dentro dele
fazia barulho. Não pôde ouvir coisa alguma.
Pensou que
deveria estar cheio de algo muito precioso.
Para acabar
com a dúvida, pegou sua faca e abriu-o com um pouco de esforço. Virou a boca do
vaso para o chão, mas nada saiu, o que o deixou
muito
espantado. Então, colocou o vaso na sua frente. Enquanto o observa, eis que sai
do interior do vaso uma densa fumaça.
O pescador recua, assustado.
A fumaça se
eleva até as nuvens e forma um nevoeiro intenso sobre o mar e a praia. Que era
aquilo?
Quando a
fumaça saiu totalmente do vaso, juntou-se e tornou-se um corpo só, do qual se
formou um gênio duas vezes mais alto do que o mais alto de todos os gigantes. Vendo
monstro tão monstruosamente grande, com cara de poucos amigos, o pescador quis
fugir, mas, aterrorizado, nem conseguiu se mover! O gênio disse com uma horrível
voz de trovão:
– Salomão,
grande profeta de Deus, perdoai-me!
Nunca mais
me oporei à vossa vontade e obedecerei a todas as vossas ordens.
Assim que
ouviu as palavras do gênio, o pescador lhe disse:
– Ó espírito
orgulhoso, que você está dizendo?
Faz séculos
que Salomão, o profeta de Deus, está morto. Mas conte-me a sua história. Por
que estava encerrado nesse vaso tão pequeno?
O gênio, então,
lançando um olhar orgulhoso e cheio de ódio ao pescador, respondeu:
– Dirija a
palavra a mim com mais respeito!
Você é bem
atrevido em me chamar de espírito orgulhoso!
– Pois bem,
falarei com mais respeito se chamar você de ave da felicidade? – perguntou o
pescador.
– Eu estou
lhe dizendo: dirija-me a palavra com mais respeito antes que eu o mate!
– E por que
você me mataria? – replicou o pescador. – Acabo de pôr você em liberdade, já esqueceu?
– Não, não
esqueci. Mas isso não me impedirá de matá-lo; e só concedo a você uma graça –
disse o gênio.
– E qual é
essa graça? – perguntou o pescador.
– Você pode
escolher a maneira pela qual quer que eu o mate.
– Mas que mal
eu lhe fiz? É essa a recompensa que eu recebo pelo bem que fiz a você?
– Não posso
tratá-lo de outra maneira – respondeu o gênio. E passou a contar sua história:
“Sou um dos
espíritos rebeldes que se revoltaram contra a vontade de Deus. Todos os outros gênios
reconheceram o poder do grande Salomão e a ele se submeteram. Eu e mais um outro
fomos os únicos a não querer cometer essa baixeza. Para se vingar, Salomão
encarregou Assaf, o filho de seu primeiro-ministro, de ir buscar-me e levar-me
a sua presença. Ordenou, então, que eu abandonasse meu modo de vida,
reconhecesse seu poder e me submetesse às suas ordens. Recusei e preferi
expor-me a seu ódio a prestar-lhe juramento de fidelidade e submissão. Querendo
me castigar, encerrou-me neste vaso de cobre. Para que eu não pudesse escapar,
na tampa de chumbo do vaso pôs seu sinete, onde está escrito o nome de Deus.
Depois, mandou que um dos gênios que lhe obedeciam atirassem o vaso ao mar, o
que fizeram. No primeiro século de meu aprisionamento, jurei que, se alguém me
livrasse antes de se passarem cem anos, eu o faria milionário. Mas os cem anos
se passaram e ninguém
apareceu
para me prestar tão bom serviço. No segundo século, jurei revelar todos os
tesouros da terra para quem me libertasse, mas ainda dessa vez não tive sorte.
No terceiro, prometi fazer do meu libertador um poderoso soberano, estar sempre
ao seu lado em espírito e conceder-lhe três desejos todo dia, qualquer desejo!
Mas também esse século se foi, assim como os outros, e eu continuei na mesma
situação.
Finalmente,
enraivecido por me ver preso por tão longo tempo, jurei que, se alguém me livrasse,
eu o mataria sem dó nem piedade e não lhe concederia outra graça senão a de
escolher o tipo de morte pela qual morreria. Assim, uma vez que você me
libertou hoje, só lhe resta escolher a maneira pela qual quer que eu o mate!”
Aquelas
palavras deixaram o pescador desesperado:
– Sou
realmente desgraçado! Vim aqui prestar um grande serviço a um ingrato.
Suplico-lhe: pense na injustiça que você está praticando e anule um juramento
tão pouco sensato! Se você me perdoar, Deus o perdoará. Se me deixar viver, Ele
o protegerá em todas as situações críticas de sua vida.
– Não, não:
sua morte é certa! – respondeu o gênio. – Falta só você escolher a maneira como
deseja morrer.
– Ai de mim!
Tenha piedade! Lembre-se do que fiz por você!
– Já lhe
disse: é justamente por essa razão que eu sou obrigado a matá-lo.
– É estranho,
não entendo por que você quer pagar o bem com o mal – prosseguiu o pescador, provocando
a réplica do gênio:
– Não vamos
perder mais tempo! Suas palavras não me farão mudar de ideia. Vamos logo:
diga-me como deseja morrer.
A necessidade
obriga o homem a recorrer à esperteza; assim fez o pescador. Disse ele ao
gênio:
– Já que não
poderei mesmo evitar a morte, submeto-me à vontade de Deus. Mas antes de escolher
como desejo morrer, suplico-lhe, pelo nome de Deus gravado no sinete do profeta
Salomão, filho de Davi, responda à pergunta que desejo lhe fazer.
Quando o
gênio viu que aquele homem lhe fazia uma súplica que o obrigava a responder de
forma favorável, estremeceu e disse:
–
Pergunte-me o que quiser, mas se apresse!
Eu
responderei dizendo a verdade.
– Eu queria
saber se você estava realmente preso nesse vaso...
Você juraria
pelo nome de Deus?
– Sim, –
respondeu o gênio – juro pelo grande nome que está gravado no lacre deste vaso.
– Para ser
franco, não posso acreditar no que você está dizendo. Nesse vaso não caberia
nem mesmo um pé seu, como é possível que o corpo
inteiro
estivesse preso aí dentro?
– Mas eu
juro que é verdade – respondeu o gênio. Você não acredita, mesmo depois de eu
ter jurado?
– Não mesmo!
Conte outra... É impossível acreditar, a menos que você me mostre como fez para
ficar fechado aí dentro... Ver para crer...
Imediatamente
o corpo do gênio dissolveu-se em fumaça, que se estendeu sobre o mar e a praia
e, depois, juntando-se, começou a entrar de novo naquele vaso de cobre,
lentamente, lentamente, até que nada ficou de fora. Logo saiu dali uma voz que disse:
– E então,
pescador incrédulo, eis-me dentro do vaso. Acredita em mim agora?
O pescador,
em vez de responder ao gênio, pegou correndo a tampa de chumbo e, fechando o
vaso, disse:
– Gênio, peça-me
perdão e escolha a maneira pela qual deseja morrer! Mas não... será melhor que eu
o lance de novo ao mar, no mesmo lugar de onde o tirei. Depois, construirei uma
casa nesta praia para nela morar. Aqui, avisarei os pescadores para que, se por
acaso lançarem as redes nestas águas, não pesquem um gênio mau como você, que jurou
matar seu libertador!
O gênio implorou
e implorou que o pescador o libertasse. Dizia:
– Meu amigo pescador,
não seja cruel! Não é justo vingar-se; pelo contrário, devemos pagar o mal com
o bem. Liberte-me, e eu contarei a você uma história muito interessante.
– Qual?
– Se deseja
ouvi-la, abra este vaso, por favor!
Como é que
eu posso contar histórias fechado aqui, nesta prisão minúscula! Eu contarei
quantas você quiser, depois que sair daqui...
– Não, não –
respondeu o pescador. Não vou libertar você, não. Não adianta insistir. Vou
jogar o vaso no fundo do mar.
– Mas antes,
escute-me – gritou, apavorado, o gênio. Se você me soltar, juro que não lhe
farei mal.
Melhor:
ensinarei como você pode se tornar muito rico.
A esperança
de sair da pobreza convenceu o pescador, que disse:
– Jure em nome
de Deus que você fará o que acaba de prometer, e eu o soltarei.
O gênio
jurou, e então o pescador abriu o vaso.
Primeiramente,
saiu dele uma fumaça, que logo tomou a forma do gênio. Este, assim que pisou no
chão, deu um pontapé no vaso, que foi se afundar nas águas do mar... O pescador
ficou aterrorizado, mas o gênio deu uma gargalhada e o tranquilizou:
– Não tenha
medo. Vou cumprir a minha palavra.
O gênio levou
o pescador, ainda desconfiado, até um lago entre montanhas. Ali, insistiu para
que ele lançasse a sua rede às águas transparentes. Qual não foi o espanto
quando o pescador viu que com sua
rede pescara
quatro peixes, um de cada cor: branco, vermelho, azul e amarelo. O gênio lhe
disse:
– Leve esses
peixes para o sultão: ele lhe dará por eles mais dinheiro do que você jamais
teve na vida. Mas cuidado: venha pescar neste lago só uma vez por dia!
Depois de
dizer essas palavras, o gênio bateu forte no chão com o pé. A terra se abriu,
engoliu-o e, por fim, se fechou. O pescador fez exatamente o que o gênio lhe
recomendara. O sultão, por aqueles peixes, recompensou-o de tal forma que ele
nunca mais passou necessidade. Mas essa já é uma outra história...
Moral da história:
o diálogo convence mais que a violência. A arte de saber se comunicar.
Moral da história:
o diálogo convence mais que a violência. A arte de saber se comunicar.
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